Menino-Balão

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Eu adorava quando ela dizia “balão”. Ao fazer isso, parecia que soprava pequenas bolhas.
Eu ficava a repetir “balão, balão, balão” numa tentativa desesperada de ouvi-la novamente dizer aquela palavra, queria que o ambiente se inundasse com pequenas bolhas. Todavia, ela entendia a repetição como um pedido. Muitas vezes se irritava e eu ficava muito tempo sem ver balões e bolhas. Mas na maioria das vezes eu ganhava um balão, cada vez de um tipo variado: enrolados em forma de bicho, os que escapam das mãos e somem no céu, os que cheiram demais, os que brilham, os com formas conhecidas e desconhecidas.
Mas de todos os balões o que mais me encantava era o que carregava gente. Com cores impressionantes e demasiadas, o balão queria roubar a beleza do céu, uma maldade. E fazia o sonho de voar verdadeiro; contudo, era um voar tal qual devaneio, sem direção, levado pela inércia dos pensamentos.
Talvez pensasse em vôo por conta do aeroporto. Estávamos esperando a nossa hora no saguão, o avião já estava atrasado duas horas. Ela, mesmo impaciente, comprara um balão em formato de águia para mim. Mas eu não estava contente, eu mostrava o balão e ela apenas resmungava, não repetia a tão desejada palavra. E eu esperava ansioso que as bolhas invadissem aquele saguão e me fizessem companhia. Mas imaginava que quando elas saíssem de sua boca logo encontraria um lugar para se espetar, afinal o local estava lotado de caras agudas.
Chateei-me com os seus resmungos e fui me perder entre as caras agudas, sempre preocupado com a fragilidade do balão. Fui cuidadoso e esquivei-me bem das farpas que as pessoas soltavam, a impaciência salta fagulhas que contaminam as pessoas, imaginei que elas também feririam meu balão.
Nesses caminhos e descaminhos que fazia no saguão fui atraído por um cheiro que me era muito familiar, lembrei-me do final de semana que passamos em Itacaré. Ele também estava lá, o cheiro azedo e levemente adocicado que minha mãe exalava era cheiro de felicidade. Quando ele sumiu, nunca mais senti esse cheiro. Estava perdido nas lembranças confusas e quando acordei me deparei com uma vendedora, que entregava mostras de um perfume. Ali o cheiro azedo e suave com gosto de casa, Itacaré, felicidade e dele num frasco na mão de uma estranha.
Meu balão estourou, não tinham bolhas para me confortar. O mundo na ausência de minha mãe era cinzento e cheio de espinhos. Pensei se eu podia estourar assim como meu balão, eu não queria estourar, chorei. E as pessoas à minha volta estavam confusas e eu não queria que elas chegassem perto de mim porque eu tinha medo de estourar. Só consegui me acalmar quando vi a primeira bolha a despontar entre aquelas caras estranhas que vitimaram meu balão. Lá veio ela com suas bolhas na boca a dizer “ali o balão, ali o balão, ali o balão”. Fiquei, então a admirar as bolhas; enfim, o conforto dela, das bolhas que saiam de sua boca por causa de balões.

1 idéia(s):

Que bonito e tocante. Eu adorei, Dani. A escrita está leve como um balão voando no céu mesmo. E pungente, ainda assim.
Eu gostei especialmente desta parte: "Com cores impressionantes e demasiadas, o balão queria roubar a beleza do céu, uma maldade. E fazia o sonho de voar verdadeiro; contudo, era um voar tal qual devaneio, sem direção, levado pela inércia dos pensamentos."
Eu não mudaria nada.
Parabéns!

Beijos.

Ah! Coloquei figura também tá?

20 de agosto de 2008 às 08:58  

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