Havia dezessete gatos vivendo no apartamento de Hilda. Ao mesmo tempo em que percebia sua dedicação a eles, era difícil acompanhar esta adoração exacerbada. Os amigos que ali estavam não compartilhavam tal gosto. Elisa estava submersa em seus espirros, enquanto Larabel sentia ânsias.
Apeguei-me a três pequenas gatinhas que estavam na banheira quando necessitei ir à toalete, havia duas semanas que tinham nascido. Assustei-me ao encontrá-las em local tão inusitado, mas em cada cômodo do apartamento de Hilda havia um telefone e no mínimo, três gatos, além de inúmeras estantes com livros bem coloridos, quase preenchendo todas as paredes. Quanto a Hilda, bem, ela podia ser jovem, mas não era tola! Adorava entreter-se com o ambiente que estava. Quando parava em frente a uma estante, não saía enquanto não devorasse pelo menos cinco livros, o primeiro escolhido era sempre de poesias, os demais, o que o momento lhe despertasse. Caso alguém a telefonasse, atendia ali mesmo, sem sair do lugar, pois para cada cômodo, como já disse, havia um telefone, cada um de uma cor diferente.
Das três gatinhas a que me chamou mais a atenção foi a preta, a qual tinha um rabo quebrado. No momento que entrei, ela saiu da banheira e num pulo, estava nos meus pés, como estava de calça com barra larga, a danada começou a subir pelas minhas pernas, senti cócegas e num movimento incômodo e talvez excitante, comecei a dançar, eu e a gata, nós no banheiro.
Passada meia hora, voltei a mim, lavei o rosto, lavei as mãos e o sabonete era em forma de rosa, antes de sair coloquei a gata na banheira, em seguida toquei na rosa e lavei novamente as mãos.
O corredor era largo, o apartamento era antigo, paredes infiltradas, odor forte, era frio. Ao final do corredor, antes de retornar à sala, percebi uma mancha na parede, num único filete de parede sem livros. Hilda com certeza havia colado ali diversas figuras e em seguida rasgado várias delas para outras serem coladas, havia nesta imagem uma confusão de movimentos delineados pelos rasgos e colagens e, neles, percebi nossa dança, havia um recorte com uma rasgadura semelhante à silhueta da gata e os espaços ao seu redor, eram as minhas pernas. Lembrei da dança. Lembrei dela. Corri, voltei ao banheiro e ela não mais estava lá. O que havia acontecido?
Abri os armários abaixo da pia, de repente, num pulo, ela alcançou meu pescoço e numa leveza, como a sensação de um veludo lentamente escorregando dos meus ombros, surgiu em minhas mãos. A levei para a sala e me despedi de Hilda e os demais.
Passei cinco meses sem visitá-la, nos revimos no meu vigésimo terceiro aniversário, Hilda chegou com uma caixa verde com fitas douradas e, vestida com um gracioso cachecol preto, caminhou em minha direção, deu-me um beijo, abriu a caixa e a minha bailarina ali estava. Hoje, há vinte gatos em meu apartamento.
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Então, dona Cecília.
Eu gostei do seu texto. Como disse na sala, gosto de textos cíclicos, em que o fim remete ao início.
A imagem que eu fiz de Hilda, entretanto, continua a mesma: de uma velha, gorda, que tem as paredes da casa amareladas e fedorentas. A descrição que você faz dela, por ser tão diferente, me traz uma quebra de expectativa - o que também é interessante.
Há alguns erros gramaticais, mas nada muito sério.
Gostei muito.
Quer que eu coloque imagem no texto?
Beijoca.
Anônimo disse...
18 de agosto de 2008 às 10:32