Ísis - A fuga do aniversário

- Dedé, agente tem que arrumar um jeito de despistar meus pais na minha festa de aniversário, não posso deixar de ir no parque, eu esqueci a minha pasta lá! – Disse Isis na primeira oportunidade que teve de conversar depois da aula.
- Zi, de novo essas histórias de códigos e parques no dia do seu aniversário? Zi, é o seu aniversário, não se pode... como assim agente tem? Eu não tenho que nada, vou ser só mais um convidado da sua festa.
- Demócrito! Está aí a solução do meu problema. Você vai ser o centro das atenções hoje!
O plano de Isis saia como faísca. Repensava todos os seus passos, chegava a visualizar a planta da sua casa, vendo o ponto de entrada, sincronizava os horários com as movimentações planejadas. Viu todos os convidados achando interessantíssimo aquela história de cozinheiro-mirim, pratos exóticos numa simples festinha de aniversário, a cozinha seria passagem obrigatória para todos os convidados.
- Zi, acorda! Como eu vou substituir você no seu próprio aniversario? – Era realmente quase impossível; mas, imagina se desse certo? Atrasaria a hora do parabéns, momento que, na sua opinião, estava em segundo plano, poderia passar rápido, sem nada é big é big, nem desejos na hora de soprar as velas. E então quando chegasse apresentaria a todos o mestre cuca que estaria no meio do preparo de algum prato exótico tipo...
- Dedé, qual o prato mais exótico e demorado que você sabe fazer? – Demócrito com aquela cara de eu ainda nem concordei já pensava em alguma coisa, inventar um prato, assim, é bem complicado. Iria ele recorrer ao livro de receitas?
A conversa ficou mais ou menos por ai até o portão de saída, quando os dois repassaram os detalhes, Demócrito se encarregaria de levar panelas, os ingredientes, tudo para preparar sua receita especial, chegaria de surpresa falando para todos da casa que Isis ficou presa em uma festa surpresa que fizeram para ela na escola, ia demorar um pouco. Ela nunca deixaria de ir no parque, tinha que achar a sua pasta de mensagens. Como ela foi esquecer logo sua pasta? Será que todas aquelas pessoas e crianças que via no parque tinham vivido alguma coisa assim? Despediu-se rapidamente do amigo e foi em direção aquelas montanhas mágicas, caminho que estava ficando cada vez mais familiar pra garota.
Quando chega no parque, muda o tempo do verbo da menina. Iris vê todos aqueles brinquedos, as crianças, aquele mundo de gente desconhecida em um lugar não tão longe de sua casa. Começa a andar em busca de nada, inicialmente, até lembrar da sua pasta esquecida, ai tudo fica meio nervoso, e ela agitada. Vai nos carrinhos de bate-bate, não vê nada, não vê ninguém, está tudo desligado. O carrosel hoje parece bem mais bonito, mas a fila é enorme, e não era o caso entrar lá hoje.
Continua sua procura por alguma coisa, alguém que possa ajudar. Ela vê o velho palhaço imitando alguém lá do outro lado do parque, resolve não interromper. Passa pelo Tiro ao Alvo, percebe uma nova barraquinha, Tiro ao Álvaro, onde o alvo é uma cara bem engraçada e gordinha de algum que deve ter esse nome. Ela ri, quem deve ser o responsável por essas loucuras? Anda mais um pouco e depois do pipoqueiro, vira para dar de cara com ela, a montanha mágica.
Aquele brinquedo realmente conseguiu distraí-la, a fez esquecer logo a sua pasta! Por isso foi lá novamente, troca de lado e entra na montanha da direita, já que a outra a fez perder, essa poderia fazê-la achar. Primeiro o susto inicial, o barulho (clack) dos carrinhos sendo destravados e recebendo o primeiro impulso, depois, quando vem a primeira descida, tudo é uma maravilha, medo e alegria se confundem, é mesmo uma confusão de sentimentos. Na hora do loop, falta a gravidade, todo mundo sempre faz uma careta, até os mais velhos e os meninos que se dizem crescidos. A corrida continua, aquele barulho do carro passando no trilho, todos os pescoços virando juntos cada curva, todos rindo e gritando, até a parada, quando um alto e assustador clack antecipa a freada um tanto repentina. Todos saem descabelados e tentando se re-equilibrarem na terra firme. Você só pensa mesmo em ir mais uma vez. As pessoas que entram agora, não sabem de nada disso, ainda.
Depois do passeio Ísis, dá uma pequena volta em torno dessa montanha que entrou hoje, e vê na grama um caderninho de espiral, um pouco úmido do tempo que passou esquecido ali, já de longe parece ser de uma menina. Se aproxima, e o que era? Um diário! Todo marcado de datas, deve ter sido esquecido ontem já que nada estava anotado nesse dia. Alguém perdeu alguma coisa no parque, que nem ela, e isso, no mínimo, significava alguma coisa, alguma mensagem subliminar haveria de ter nessa coincidência tão estranha. Não quis sair lendo a vida de uma outra menina dessa forma, limpou a capa com a borda da camisa viu que ainda estava de uniforme, tinha vindo direto da escola, não passou em casa. Ainda era o seu aniversário.
Como realmente pouco tempo se passou ali no parque, resolveu aproveitar e ir logo para casa, levando o seu achado tão precioso. Desviou do velho palhaço para evitar perguntas e seguiu o rumo de casa. Era estranho considerar algo de outra pessoa um presente, mas assim sentia a menina. Era seu grande presente, que fazia seu aniversário diferente de todos os outros. Perdia a pasta, mas achava um diário. Uma outra vida, de uma menina, que também tinha perdido algo no parque. Esse parque provocava coincidências. Foi nesse ritmo até chegar em casa, e lá, quem diria, a festa estava toda pela metade.
Demócrito a viu com uma cara... estava todo sujo de algum molho, devia ser a terceira receita que ele fazia na frente de todos, estava exausto. O lugar já estava com aquele aspecto de fim festa, bagunçado e um pouco vazio, copos descartáveis pela casa, familiares já haviam deixado os presentes e haviam saído. Seus pais estavam recolhidos no outro cômodo. Como é possível? Não foi nada além de uma volta na montanha mágica? Parecia que o tempo agora tinha resolvido ir mais depressa. Ísis começou a prever a cara que seus pais iam fazer quando a vissem, foi quando Demócrito se aproximou, totalmente vestido de chef e disse:
- É, Zi. A desculpa da festa surpresa, para funcionar, vai ter que ser incrementada com pitadas de imprevistos, mais uma colher de espera, mais a adição de algum acidente, não acha?

Devo confessar meu estranhamento ao vê-lo a cada crepúsculo colocando óculos, peruca e cachecol... Até mesmo no verão! Saía diariamente em linha reta, às vezes em disparada para o centro do parque, mas quando lhe dava na telha, retornava dois passos e ali mesmo ficava. Com suas duas únicas mãos, retirava tudo quanto era quinquilharia dos bolsos de seu casaco roxo com manchas azuis, verdes e de cores que não existiam.

Para ele, suas quinquilharias eram importantes ferramentas de trabalho!

Ponto primeiro: Um equipamento ultramoderno para os entendidos na área de sensibilidade espontânea – O incrível ‘escritospoetatizador’ com raio-laser!

Ponto segundo: A atualíssima máquina registradora de caretas e expressões de quem é especialista em pedir para ficar mais um pouquinho no parque – A maravilhosa ‘estiqueepuxesorrindorizadora’ de uma famosa marca alemã!

Ponto terceiro: Esse tinha sido um presente dado por seu avô nos seus treze, quatorze, quinze, dezesseis ou dezessete anos, não sei bem em qual idade, mas que faz tempo isso faz – Uma máquina fotográfica! Dizem os mais ‘distantes’, que estava quebrada há mais de cinqüenta anos!

E lá se ia aquele que no meio de toda àquela multidão, despercebido quase não ficava!
O seu ofício começava quando todas aquelas quinquilharias, ops! Desculpa! Quando todas aquelas importantes ferramentas de trabalho eram por ele retiradas cuidadosamente dos bolsos depois de tanta caminhada bem dada, lugar minuciosamente escolhido, temperatura medida com o dedo molhado na boca mesmo e posto no ar... Ele, o Enigmata, estático bem no meio do parque, de olhos fechados e com a máquina fotográfica em punho, dava nada menos que três suspiros antes de começar a sessão fotográfica!

O mais incrível é que jamais o vi tirando fotos com olhos abertos!

Há uma infinita possibilidade de retratos ao nosso redor, em nós e bem na ponta do nosso nariz... Podemos dividir o que vemos e não vemos em minúsculos quadradinhos, tudo se pode reduzir em quatro lados!
Bolinhas de sabão, de perto, se tornarão quadrados de sabão. O céu, em poças d’água, vira chão. E se a fotografia pega somente a mão de alguém, consigo assim ver todos os emes, dáblios, ês, três... Um dia eu vi até um cê!
O meu trabalho não é muito diferente ao de um poeta... A grandeza deste ofício está no acaso!
É no acaso que eu me revelo!
No caso do poeta, as palavras no papel fazem com que imagens sejam reveladas ali, em quatro lados de uma antiga folha em branco... Assim como ela, faço com que minha fotografia tenha mil possibilidades de ser concebida ao embalo do acaso e de meus olhos, que fechados, dão mais asas ao meu olhar!
E a revelação de minhas inesperadas imagens é melhor que festa de aniversário surpresa, melhor que telefonema da pessoa que a gente tem um amor escondidinho só no nosso coração ou até mesmo em tirar um dez numa prova que a gente acredita ter se saído tão mal... É um fruto do acaso, do desconhecido, do escondido. Só quando a fotografia é revelada é que descubro o que estava ao meu redor naquele instante registrado. O que estava bem pertinho de mim e eu não avistara. É assim que começo a desvelar o meu mundo, o qual começo a inventar com alguns improvisos!
E quando uma sensação de perda vem chegando, aciono o meu incrível ‘escritospoetatizador’ com raio-laser e o cenário é novamente reajustado e reenquadrado nos quatro lados de uma folha em branco.
Falando em folha em branco, hoje revelei uma imagem interessantíssima aos conhecedores de acasos achados ou perdidos. A foto que há pouco revelei, tinha algo parecido com um diário e suas páginas pareciam asas e ele estava voando no momento que o registrei. Estou fascinado, era um pássaro de palavras aladas!!!
Como estou ocupadíssimo revelando as setenta e sete fotos de hoje, acho que agora terei que me despedir de vocês. É complicadíssimo o trabalho de um seriíssimo profissional como eu, requisitadíssimo por imagens que geralmente não são fotografadas ou sensibilizadas em pessoas mais ‘distantes’.
Opa! O que vejo aqui? O que está me aparecendo?
Não acredito que está havendo uma rebelião das palavras... Todas me aparecem aladas nessas fotografias!
Há mais páginas no céu do que se imagina...
Agora estou realmente atolado de serviço. Preciso conferir a temperatura antes que minhas fotos também decidam se tornar aladas!

Ao retornar em disparada para o centro do parque, o Enigmata com seus cinco dedos da mão direita e com os outros cinco da esquerda, encharcados com algumas babinhas, ergue suas mãos para assim medir a temperatura. E como em todos os dias, retira novamente todas as suas importantes ferramentas de trabalho dos bolsos e recomeça o seu intrigante ofício.

Diário de Íris 1° dia

Data: dia especial/ mês do meu aniversário/ meu 14º ano de vida

Querida Mélani,

Hoje foi um dia incrível! Nem consigo respirar direito de tanta empolgação... se eu escrever alguma coisa sem sentido, me desculpa tá? É que meus pensamentos estão muito mais rápidos que minhas mãos podem acompanhar... Por onde começo?...
Bom, hoje resolvi não vir de ônibus pra casa. Queria caminhar, ver meus personagens em “câmera lenta” digamos assim. Mas aí, uma hora... uma hora que eu nem vi direito, ele apareceu na minha frente... Um parque! E era lindo! Nossa! Como era lindo. Só as montanhas russas eram duas. Um carrossel que acho que fiquei horas observando cada um dos cavalos. Parece que eu conhecia todos eles e que eles também me conheciam...

Cavalinho Branco
À tarde, o cavalinho brancoestá muito cansado:
mas há um pedacinho do campoonde sempre é feriado..
O cavalo sacode a crinaloura e comprida
e nas verdes ervas atirasua branca vida.
Seu relincho estremece as raízese ele ensina aos ventos
a alegria de sentir livresseus movimentos.
Trabalhou todo o dia, tanto!Desde a madrugada!
Descansa entre as flores, cavalinho branco,de crina dourada.
Cecília Meirelles

Adoro a Cecília Meireles, às vezes acho que ela pensa que nem eu! Rs...
Vi um outro brinquedo também que eram xícaras rodando e rodando. Até quis sentar lá dentro mas tive medo. Não de vomitar nem nada assim. Tive medo de que tudo mudasse pra sempre entende? As pessoas que entravam nas xícaras, quando elas rodavam, parecia que... Nem sei, Parecia que uma hora a luz ia sair de dentro delas. Sabe essa luz que todo mundo tem? Então! Parece que de tanto rodar uma hora a luz ia inchar e derramar pelo brinquedo com milhares de estrelinhas brilhantes escorrendo como se fosse uma enchente. Entende? A poesia que cada pessoa guarda escondidinha lá dentro dela mesma ia sair pra fora e se misturar com a das outras pessoas. Foi disso que me deu medo. É como se de repente todo mundo abrisse você e lesse o que está aqui dentro, o que está dentro de mim. Isso dá medo...
Ai Mélani... meu diário querido! Se você pudesse ter visto todas aquelas coisas... que dia maravilhoso eu passei! Ah! Tinha um palhaço também! Mas era um palhaço diferente sabe? Não era como esses que ficam no sinal vendendo pirulitos nem aqueles que a gente vê nos parques no dia da criança. Ele era um palhaço realmente divertido! Rs... e não se chamava Manuel! Hauhauhau Mas como era mesmo o nome dele? Já nem me lembro, ele me deixou confusa com todas aquelas rimas e aquelas mágicas. Acho que se pudesse nunca mais sair dali, não precisava.

“Tic tac o tempo vai passando
e a gente aqui sentado num banquinho conversando...
Tic tac o tempo vai passando
e a gente aqui sentado num banquinho conversando...”

Será que isso é uma música?... Tinha um brinquedo também que até agora não descobri bem o que era. Na verdade entrei e acho que nem estava funcionando. Era uma sala grande e escura com muitas máscaras. Achei que era um túnel do terror sabe? Mas não dava medo! Parecia mais um túnel do tempo. Eram máscaras bonitas, enfeitadas, algumas mais assustadoras, outras pareciam máscara de índio. Tinha uma igualzinha a que minha vó tem numa foto de quando ela era jovem. Acho que era de carnaval. Uma máscara bonita e brilhante. Eram tantas e tantas penduradas, em cima das mesas, de cadeiras... fiquei encantada! Depois comecei a pensar que talvez fosse um camarim. Mas não tinha roupa! Eram só máscaras. Não quis experimentar porque fiquei com medo de estragar, mas tinha uma que me lembrou o filme do Romeu e Julieta quando eles se encontram no baile a fantasia. Haha já me senti bailando e bailando esperando pelo meu Romeu...
Já estou começando a fica cansada... pena que não pude comer mais maçã do amor. Tinha de várias cores e tamanhos. Nunca tinha visto isso. Sabe que cada mordida tinha um gosto diferente? A primeira tinha gosto de morango! Nem acreditei. Mordi de novo e já tinha gosto de outra coisa.. Teve uma hora que mordi e tinha gosto de chocolate. Fiquei doidinha! Se minha outra vó estivesse lá, ia dizer que eu devia sair do sol, que isso mexe com a cabeça da gente e tal. Sei que a maçã era tão gostosa que nunca tinha comido nada daquele jeito. Ah! E sabe aquelas balinhas que explodem na boca? Não tenho bem certeza de que ela explodia, mas era isso que eu sentia. Foi estranho... e no final, Mélani, escuta isso que viagem... no final, eu não conseguia mais morder. Minha maçã do amor de repente esfarelou todinha no chão! Como pode? ... Será que amor também é assim? Se espatifa todo no final? Meu pai sempre ouve uma música assim:
“Me diz, me diz, me responde por favor!
Pra onde vai o meu amor, quando o amor acaba?”
Será que eu não cuidei direito dela? Por isso o amor acabou? Podia ter comido mais devagar, com mais cuidado e... espera um pouquinho... Ah... agora acho que entendi. Eu não comprei uma maçã do amor. A moça disse que as maçãs do amor já tinham acabado, então eu acabei comprando uma maçã da saudade...

Chega de saudade, a realidade é que sem o parque eu não posso viver...
Diz-lhe numa prece, que ele regresse, porque eu não posso mais sofrer!

É amiga, definitivamente tenho que voltar lá amanhã...
Boa noite!

Atenção: são textos separados - há a entrada de outros capítulos entre eles. O fragmento da Ísis deverá aparecer primeiro que o da Íris.

Ajustei tais fragmentos com as sugestões feitas em sala.

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ÍSIS

Por alguns instantes, fascinada, Ísis não conseguia pensar em mais nada além do que estava diante da ponta de seu nariz, ficou maravilhada! Havia luzes no letreiro que indicavam o nome do local, era ali que acreditava encontrar a verdade de todos os passos que lhe fizeram chegar onde as montanhas em pontos estariam. Montanhas Mágicas!
... carrossel, pirulito, balanço... cavalo vermelho ... algodão-doce, gargalhadas, montanha-russa ... cavalo amarelo ... palhaço, bicicleta, outra montanha-russa ... cavalo verde... música, pipoca, chapéu voador ... cavalo azul... realejo, crianças, casa da Monga ... caaaa ... casa da Monga? O que seria?
Seu pensamento ultrapassava o que estava diante de seus olhos, queria acompanhar tudo, mas era vivo. Tudo era colorido, mágico.
Curiosa, não hesitou em procurá-la.
Passou por tudo que seu pensamento havia lhe narrado até chegar ao casebre mais estranho que sua vista encontrara. Olhou mais uma vez e encontrou, ali estava, “A casa da Monga”.
O parque estava cheio de crianças, pois já se contavam algumas horas que estava aberto, mas o casebre estava vazio, com certeza abriria somente ao anoitecer. Era um casebre de madeira todo colorido, em todas as paredes havia imagens de gorilas.
Ela não se amedrontou com tal cenário, estava mesmo era curiosíssima para explorá-lo antes de qualquer criança. Viu-se como uma legítima desbravadora.
Passou pelas cadeiras que se posicionavam como num teatro, havia um pequeno palco mais à frente. Subiu e viu uma estranha caixa em seu centro, ficou mais intrigada. Esta era em formato de L.
No palco, quis entender o que era aquele caixote. Nele, havia duas grandes entradas, bem maior que sua altura. Não pensou duas vezes em escolher a entrada do lado esquerdo, pois era canhota.
Estava escuro e agora adentrara numa espécie de corredor. Havia um cabide com uma fantasia de gorila. Ísis se assustou, ao mesmo tempo teve vontade de experimentá-la, mas seguiu em frente com passos bem curtos, para perceber os mínimos detalhes do local, pois ali talvez encontrasse mais alguma pista.
Havia um espelho rachado no final desta entrada, cuja algumas partes lhe faltavam.
Ísis mal conseguia se ver e se aproximou ainda mais.
Ao chegar a dois passos do espelho, se viu em partes e assustou-se ainda mais, pois havia mais que seus traços nesta imagem, era outra em si mesma.
Ficou tão confusa, correu pelo corredor e retornou à entrada, saiu do casebre e caminhou em direção ao carrossel.



ÍRIS

Alguns minutos se passaram desde que Íris seguia as rodas da bicicleta de Paula e avistara a entrada do parque: um grande portal mágico, onde se tornariam vivas suas histórias.
Avistou possíveis personagens para os próximos capítulos. Percebeu uma nova trilha sonora, um som suave vindo do realejo. Viu crianças de todas as idades, tamanhos e sorrisos. Sentiu fome, mas decidiu comer algo depois que verificasse cada canto deste novo cenário, queria encontrar sua nova protagonista.
Continuou em passos largos, andou tanto que até passou pelas duas montanhas-russas sem atentar para elas.
Íris se lembrava do último parque que tinha ido na cidadezinha de sua avó. Havia assistido com ela ao show da Monga, a mulher gorila. Se lembrava de tudo, apesar de seus cinco anos na época.
As lembranças lhe causaram alguns anos de pesadelos. Mas agora com seus treze anos e onze meses, já sabia de todo o truque, pois adorava estudar efeitos físicos, logo o jogo de espelhos era fichinha para todo o antigo medo da menina.
Continuou seus passos, agora não tão largos, pois queria saber se ali também havia o ‘grande’ show da Monga. E não é que logo encontrou? Achou engraçado o fato desta personagem ter um teatro só para o seu número. E decidiu entrar para confirmar se já sabia mesmo todos os detalhes do truque dos espelhos. Infelizmente tudo estava vazio e escuro.
Mas Íris foi adiante, subiu o palco, viu um baú ao fundo e não hesitou em abri-lo.
Eis que encontra a fantasia da Monga, a mulher gorila. Estava meio velha e ainda mais assustadora.
A menina, imersa em sua imaginação, quis compor o cenário e colocou a fantasia no corredor à esquerda do grande caixote do truque e se posicionou na outra entrada. Ia agora em passos curtos na expectativa da fusão de imagens, ouviu um barulho, alguém estava entrando no local, ficou apavorada, pois este ainda estava fechado, acreditava que o show começaria só à noite. Quem seria? Melhor não descobrir, vai que a Monga existisse mesmo.
Começou a ficar com bastante medo e entrou no escuro do caixote, quando viu já estava perto do espelho, estava tudo tão esquisito, quase sem respirar, percebeu que algo estava ocorrendo com sua imagem no espelho, estava escuro.
Não conseguia entender, não era ela, a silhueta também não era a sua, a imagem não era nem a sua e nem da Monga. Permaneceu confusa por um instante, tão confusa que nem atentou para o cessar dos ruídos do desconhecido.
Saiu do teatro atônita, caminhou até o primeiro banco que avistara e decidiu sentar-se.

Aniversário de Íris

Na noite anterior Íris não escrevera em seu diário. Perdido... como era possível? Logo ela que sempre teve tanto cuidado com aquele caderninho! E se alguém o encontrasse? Meu Deus! Tudo aquilo sob os olhos de um perfeito estranho! Ou pior, e se por uma dessas coincidências do destino quem o achasse fosse logo algum conhecido? Não! Era demais! Não conseguia nem imaginar! Fosse quem fosse que encontrasse o precioso diário, saberia de tudo! Mas tudo o quê? De fato, Íris não tinha grandes segredos, não tinha nada a esconder... mas, mesmo assim seria estranho, quem lesse aquelas páginas leria todos os seus pensamentos, seus sentimentos, suas impressões. Seria como se lessem a própria garota, inteirinha... Que estranho!
Todos esses pensamentos correram sua mente realmente rápido. Segundos, talvez no máximo 1 minuto e olhe lá! Por algum motivo o medo de ser “lida” não era a maior preocupação de Íris, ela se sentia sim desconfortável com a idéia, mas o que realmente a chateava em toda aquela história era não poder escrever em seu diário naquele exato momento tudo o que tinha vivido no dia anterior. Íris temia que sua memória não fosse suficientemente confiável para guardar todas aquelas lembranças. Sim, porque sem dúvida alguma, a memória humana não era nada confiável mesmo. Do contrário, porque o homem teria inventado de escrever as coisas? Ela tinha medo de perder a menor informação que fosse daquele dia maravilhoso. O carrossel, a roda-gigante, a montanha-russa... ah, a montanha-russa, montanha-mágica!
Porque foi perder o bendito diário?! Agora, a cada instante que passava, corria o risco de esquecer mais e mais detalhes preciosos... mas não podia deixar isso acontecer. Como se arriscar a perder um dos melhores e também mais confusos e extraordinários dias de sua vida?! Tinha que manter tudo vivo. E se havia uma boa maneira de se fazer isso, seria voltando ao parque. Se recordar é viver, então o contrário também valeria com certeza. Tinha que voltar lá, para viver tudo outra vez, olhando para os brinquedos tornar claros cada detalhe do que já tinha se passado, reviver, mais ainda, viver coisas novas, quem sabe até encontrava seu diário?! Seria ótimo! E era exatamente isso que ela faria.
- Assim que a aula acabar! – pensou em voz alta.
- Sim, minha filha – sua mãe entrava na cozinha – volte para casa assim que sua aula acabar, tentarei estar aqui o quanto antes para comemorarmos todos juntos o seu aniversário.
- Ah, sim, mamãe – disse Íris pega de surpresa. Estava tão absorta em seus pensamentos que sequer percebera sua mãe chegando.
- Bom dia, meu anjo. Feliz aniversário! Nossa, 14 aninhos, hein?! Como passa rápido!
- Bom dia pai... é 14 anos... – respondeu Íris não tão animada com a idéia.
- Guima, não se esqueça de comprar o bolo para mais tarde. Não terei tempo de fazer um, mas não vamos deixar de ter um bolo bem bonito para cantar os parabéns para nossa filhinha, né? – diz Mariana.
- Claro, querida! Não vou esquecer.
- Já vou, ou chegarei atrasada. Tenha um bom dia na escola Íris, nos vemos mais tarde. Prometo estar aqui, OK, meu bem?
- OK, mãe.
Íris sabia que a mãe se esforçaria para estar em casa mais cedo, mas provavelmente não conseguiria, como em todos os anos. Fazer o que? As coisas são assim mesmo, ela pensava, os aniversários são assim mesmo nessa família, muito esforço, mas nunca dava pra ficarem todos juntos. Além disso, como Mariana certamente não conseguiria chegar mais cedo em casa, não seria um grande problema se Íris se atrasasse um pouco, assim poderia passar no parque no caminho de volta.
Durante as aulas, Íris só conseguia pensar no parque. Até tentou fazer alguns desenhos em seu caderno. Esboçou os cavalos do carrossel, os brinquedos-prêmio do tiro-ao-alvo, as cores, as formas, e claro, as montanhas-russas. Grandes, lindas, lado-a-lado. Montanhas-mágicas! Quem deu aquele nome ao parque sabia o que estava fazendo!
A manhã inteira foi uma sucessão de “Parabéns”, “Felicidades” e “Feliz-Aniversários”. A todos os colegas e professores Íris respondia com um educado sorriso:
- Obrigada.
Mas pouco lhe interessava os cumprimentos. Mal podia esperar pelo toque do sinal ao final das aulas. Parecia que o tempo passava mais devagar, só para lhe pregar uma peça. Horas, minutos, segundos... e finalmente ele tocou!
- Tchau, professora, tenho que correr!
Correr, não era comum ver a garota fazer isso. A pressa com certeza era um defeito, ela sempre dizia. Mas hoje ela tinha esse defeito. Nunca teve tanta pressa na vida! Não, ela não era mesmo de correr, mas mesmo assim o fez, só parando às portas do parque. Respirou fundo. Mais uma tarde no querido parque, aquelas horas seriam seu presente para si mesma.
Estava determinada a dar a devida atenção a cada detalhe. E assim, adentrou o parque. Olhou a poeira vermelha que subia do chão de terra batida a cada passo seu. Sentiu aquele festival de aromas tão deliciosos, tão doces! As cores, os sons... cada riso lhe parecia uma sinfonia única e contagiante! E assim, sorrindo de orelha a orelha, caminhou em direção ao que mais lhe encantara em todo aquele mundo, as montanhas-russas... montanhas-mágicas!
Parada diante delas, a menina decidiu:
- Já que ontem fui na da direita, hoje vou na da esquerda.
Caminhou em direção ao brinquedo ansiosa. Tudo o que enxergava era aquela enorme estrutura e seus carrinhos. Estava tão focada que sequer percebeu a coisa coberta de terra que estava em seu caminho. E com a cabeça nas nuvens, tropeçou na tal coisa.
- Ai! – gemeu a menina enquanto caía. – quem largou isso no meio do caminho?!
Levantou-se, bateu a poeira da roupa, abaixou-se, pegou a tal coisa, o que seria?
- Uma pasta? Nossa! Quanto papel!
Ela olhava atônita aquela quantidade de recortes de jornal... de quem seriam? E pra que aquilo tudo? Sentou-se para examinar com mais calma. Todos os recortes cheios de pontos e traços. Às vezes formavam desenhos, alguns continham anotações feitas a caneta, mas nada parecia fazer muito sentido... riscos e pontos... quantos pontos! Quanta coisa! Não sabia quem era o dono daquela pasta, mas ele com certeza teve muito trabalho pra fazer aquilo tudo.
Íris olhou o relógio no centro do parque. Já era meio tarde. Nem percebeu que ficara ali tanto tempo. Sua mãe provavelmente não teria chegado em casa ainda, mas achou melhor voltar logo, não queria deixar seu pai preocupado. Resolveu examinar a pasta mais tarde em casa, com calma.
Ao entrar em casa, encontrou, impressionada, o pai e a mãe esperando-a com o bolo nas mãos.
- Viu, minha filha, consegui chegar bem mais cedo hoje. Contei às minhas colegas de trabalho que hoje era seu aniversário e uma delas aceitou trocar de plantão comigo, vou cobrir o horário dela um outro dia. – dizia Mariana sorrindo.
- Vamos, deixe esse material aí no sofá mesmo. Você anda carregando muita coisa para a escola, deve estar cansada. – Guima falava enquanto pegava a pasta e a mochila da filha.
Íris estava muito feliz, não é que a mãe havia conseguido mesmo?! Ela sabia que Mariana queria passar mais tempo com ela, mas era sempre tão complicado! Parecia até que o tempo corria mais rápido para a mãe.
- Bom, então vamos logo aos parabéns, o Guima já vai ter que comer correndo para não chegar atrasado ao trabalho – dizia Íris animada, mas ainda temerosa de perder os preciosos minutos junto aos seus pais.
- Que exagero, querida. Não tenho pressa. Ainda temos muito tempo, você demorou um pouquinho a mais na escola, mas ainda está cedo. Além disso, se precisasse me atrasar um pouco para curtir mais esse dia com você, me atrasaria.
Íris estava confusa. Olhou para o relógio da sala, 14h?! Como seria possível, passara muitas horas no parque, mais até do que pretendia. Sabia que tinha se distraído muito por lá e perdido a hora. Lembrava de ter olhado no relógio do parque. O que aconteceu?
Não conseguia entender, mas estava feliz, muito feliz! A tarde ao lado dos pais foi o melhor presente que recebeu naquele aniversário. Muito melhor que o vestido que ganhara da mãe, ou ainda que a “meia-coleção” de livros da Cecília Meireles que Guimarães lhe deu.
- Não deu pra comprar a coleção toda, mas já é um começo, não? Aos poucos vamos completando.
- Obrigada papai, muito legal mesmo!
À noite, Íris foi se deitar desejando mais que nunca que aquele dia jamais terminasse. Queria tanto escrever sobre ele em seu diário! Pena não estar com ele naquele momento. Mas, que história é essa de que para escrever tem que ser em diário? Pegou um caderno antigo, ainda tinha algumas folhas livres, se queria escrever sobre seu dia, era isso que ela faria, com ou sem diário.
Ela escreveu e escreveu e escreveu... e quando achou que já tinha escrito muito, percebeu que muito não era ainda suficiente, e escreveu mais ainda.
Que dia! E que presentes! Vestido, bolo, livros, o pai, a mãe, o tempo... até o tempo ela ganhou! E a pasta... a pasta misteriosa! Mais um presente que o parque lhe dera.
Quanta curiosidade! Tantas perguntas sobre aquela pasta passavam por sua cabeça. Era claro que não era hora de dormir. Não, era hora de explorar a tal pasta.

Demócrito cozinha para Ísis

Sei que está um tanto quanto tarde para postar, mas vou levar o texto impresso.
Um abraço,
Dani
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Demócrito convidou Isis para a sua cozinha com azulejos encantadores exalando especiarias. Em poucos instantes outros aromas contaminariam o ambiente, o esperado é o perfume de mais um dos quitutes do jovem cozinheiro. Mas o pior pode acontecer e o cheiro de queimado pode impregnar as quinas da cozinha e estragar os sabores da comida cuidadosamente elaborada pelas mãos habilidosas do menino.
_Ontem foi tão esquisito, entrei naquele parque, me perdi.
_Você é muito desatenta.
_Ô Dedé, fala assim não. Me perdi mesmo, pensei que tivesse passado horas lá, voltei para casa correndo e só tinha ficado lá por uma hora!
_Ah, Isis, nem sei porque você usa relógio, sempre chega atrasada, você não tem muita noção de tempo. Me pergunto se você consulta seu relógio de vez em quando. Lembro daquela vez que chegou 30 minutos atrasada para o filme, depois fica chateada porque não guardo mais lugar para você no cinema. Quase levei uma bronca de um cara gigantesco e se não fosse...
_Tá, eu sou enrola e você fala demais. Vamos mudar de assunto se não acabo me irritando.
_Acho melhor mesmo, ia ser péssimo brigar com você.
Os dois ficaram em silêncio, Demócrito se concentrou e pouco tempo depois pede à amiga:
_Isis, pega para mim dois ovos na geladeira e a manteiga, por favor.
_Claro, chefe. Mas que você vai fazer?
_ O prato principal vai ser uma quiche de berinjela e para sobremesa farei um petit-gâteau de doce de leite.
_Uau, parece bom só pelo nome, mas eu nunca comi.
_A quiche é uma torta salgada e o petit-gâteau é tipo um bolinho, você vai ver. Eu achei essas receitas na internet, parece uma boa receita, apesar...
Antes que o amigo completasse, a menina interrompeu:
_Receita?! Justo você.
Isis ,com um biquinho e tom melodioso, faz uma fala engraçada para caçoar o amigo:
_ Ó, eu não uso receitas, elas limitam o meu talento. Cada prato é um prato. Ò Isis, fiz sem receita nenhuma.
Pausadamente e com muita calma o amigo responde:
_ Zi, peguei essas receitas apenas como inspiração, a receita de petit-gâteau que eu achei era de chocolate e a de quiche era de presunto italiano com um queijo importado aí. Então, eu olhei para a minha geladeira e vi berinjelas e doce de leite, achei que fosse dar certo.
_Você sempre tem um jeito de estar certo, que coisa chata.
Além daquelas pintinhas lindas e charmosas, Demócrito estava sempre certo, sempre tinha algo a ensinar para ela. Era um pouco confuso como se sentia, gostava muito dele, não tinha certeza se era amor-amor, também quem saberia dizer como era sentir isso? Nem Sofia sabia muito bem explicar sem tropeçar em algum pensamento.
Demócrito pegou uma cebola e a descascou cuidadosamente, com atenção para não deixar nenhum pedaço grudado à fina pele. Isis observou, incrédula. Com aquele silêncio e o olhar atento da menina voltado para ele, deixou o pensamento fugir pela boca:
_Adoro as cebolas, não sei nem explicar direito. Deve ser porque ela tem várias camadas, mas apenas camadas. Até me vejo um pouco assim, sou tantas pessoas diferentes. Sou o Demócrito da escola, de casa, do clube de literatura, amigo da Isis, cozinheiro amador, sou tantos que às vezes me pergunto: quem é o Demócrito de fato?
Isis ficou em silêncio, achou um tanto confuso, mesmo assim pensou ter entendido.
_Ah sim, me lembrei, como tá lá o clube de literatura, você bem disse que ia entrar?
_Então, me inscrevi tem três semanas, estou gostando, começamos por Brás Cubas, sempre tive vontade de ler.
_E o que você achou da sua turma?
_Bem, gostei bastante do professor, a turma não é muito grande, no total somos oito. Uns falam muito, outros ainda não falaram nada.
_E você já falou um bocado, hein?
_É... Minha língua coça, só pode.
Delicadamente Demócrito fatiou as cebolas e separou as camadas, ficando vários anéis fininhos. Juntou a manteiga numa panela com um fio de azeite e as dourou em fogo ameno. Aqueles anéis foram ficando translúcidos, quase invisíveis e ainda mais finos. Quando as bordas já começaram a dourar, acrescentou a berinjela cortada em finas rodelas para combinar com as cebolas. No fim uma dose de sal e pimenta, para aromatizar ainda mais: folhas de manjerona. Isis gostava de olhar aquela dança de temperos e legumes na panela, era uma composição tão bonita, ainda mais depois dos grãos de pimenta que completaram aquele quadro.
_Adoro o cheiro da pimenta.
_Que olfato! Conseguiu sentir daí?
_É, não sei bem se senti ou imaginei. Isis olhou tanto para os grãozinhos pimenta que já nem sabia se era imaginação ou não. Tudo à volta naquela casa faziam com que Zí se perdesse em sua própria cabeça.
Os pais de Demócrito viajavam com freqüência, solitário naquele apartamento, convidava sempre que podia Isis para as suas aventuras gastronômicas. A menina se maravilhava com a casa do amigo, um colorido de objetos e peças de todas as partes do mundo. Como podia num mundo só ter tanta coisa diversa? Em pensar tantas estrelas no céu, eram tantos sóis diferentes possíveis. Quantos planetas mais poderiam ser? Quantos mais com vidas tão distintas?
_Para onde seus pais foram?
_Honduras. E dessa vez não ficam mais que duas semanas. Você iria gostar da bandeira de Honduras...
_Por quê?
_São três faixas, duas azuis e uma branca no meio, com cinco estrelas. Você com essas manias de horóscopo, certamente gostaria.
_Você nunca leva a sério o meu interesse em Astrologia.
_Ah, assim, eu te respeito, mas não faz sentido para mim, desculpa se te magoei.
_Tudo bem...
Novamente Demócrito voltava com esses comentários, Isis sabia que não era proposital, mas sempre ficava um pouco chateada. Mesmo assim, ele apoiava muito a sua busca por mensagens, nem seus pais muita importância. Dedé sempre a ajudava investigar esses pormenores que apenas ela via nos jornais. Quando se magoava com ele, olhava para o seu rosto sardento e logo vinha um sorriso amigo para anima-la. Para que ficar chateada? Aí logo passava. Dessa vez se atentou ainda mais no menino e percebeu algo jamais notado. Puxa, como aquelas pintas podiam sempre trazer coisas novas! Neste momento e neste único momento notou algo inédito em seu rosto. Dentro daquele mar de pontos, tinha uma ilhazinha sem nada. Era muito delicado, deslumbrada com a descoberta, Isis aproximou-se do rosto de Demócrito, que a olhou sem entender nada. Com gestos vagarosos, a menina tocou com os dedos o local imaculado, desprovido de pontos. Preferia os locais poluídos pelas pintas, mas aquela região nunca descoberta exercia fascínio. Logo após o gesto impulsivo, um constrangimento abalou ambos, a menina se afastou. Os olhos se cruzaram embaraçados e cada um buscou um ponto para se refugiar. Dedé se ateve à quiche e Isis, aos grãos de pimentas em cima da mesa.
_Hum... Vi uma coisa curiosa no seu rosto, Dedé. Disse a garota com cautela, mas o cozinheiro permaneceu em silêncio e ela continuou:
_Eu sempre vi mensagens nos jornais, mas acho que vi uma mensagem no seu rosto. Vi uma ilha nesse mar de pontos. E isso quer dizer que devo voltar ao parque. Lá de certa forma também é uma ilha, não se parece com nada que tem em sua volta. E o que eu senti lá. Um conforto, uma fuga para tudo isso a minha volta, tudo tão cansativo.
Isis na expectativa de uma resposta procurou o olhar do amigo. Dedé terminou de montar a quiche, colocou no forno e retribuiu:
_Zi, quero conhecer esse parque com você? Tá livre amanhã?
A garota sorriu e os dois prosseguiram com farinha de trigo, manteiga, ovos, doce de leite e perfumes maravilhosos na cozinha de azulejos que desfocam o olhar.

Início do livro (Ísis)

Sete horas da manhã. O pai senta-se à mesa por último. Mãe e filhos, já em meio ao espartano desjejum de mingau de aveia, café preto e pão integral, fazem uma pequena pausa e observam o rígido coronel Ventura destrinchar o jornal, em busca do caderno com as notícias sobre política. Em seguida, como faz em todas as manhãs, passa o restante do diário à dedicada esposa, Camile, que saca o encarte com as ofertas de horti-fruti-granjeiros, repassando os outros cadernos para o filho Gustavo, que retira para si o caderno de esportes. O restante do jornal é entregue às ansiosas mãos de Ísis, que o folheia rapidamente, em busca da parte de entretenimento, com as palavras cruzadas e, principalmente, com os joguinhos de ligar pontos, sua incontrolável mania.
Eles praticamente não se falam. Não é que a família Ventura esteja brigada ou que tenha feito votos de silêncio, mas a disciplina militar difundida naquele lar organizado, proporcionou tal interação entre seus integrantes que dispensa o “frenético tagarelar do dia-a-dia”. A única que ainda carece de correção é Ísis, que, vez ou outra, teima em compartilhar suas meninices.
- Hoje de novo! – A garota crava a caneta no pão sobre a mesa e permanece estática, encarando uma reportagem no caderno de turismo. Ninguém repara. Ou, pelo menos, não deixam transparecer interesse pelo arroubo repentino da filha caçula. Como tem acontecido de um ano pra cá, ela já não se contenta em formar os desenhos a partir dos pontos. Desenvolveu um método peculiar de interpretar mensagens escondidas nas matérias, que, segundo Ísis, são destinadas a ela em forma de código, a partir dos pontos contidos nos textos.
- Por favor, Zi, termine seu café. – Limita-se a dizer dona Camile, psicóloga de formação, que não vê no devaneio da filha de treze anos, onze meses e imaginação muito fértil; algo de mais sério, a não ser a manifestação dos anseios e frustrações adolescentes.
- Mas, é muito claro que alguma coisa vai acontecer, mãe! Na matéria sobre viagens de inverno, deu uma estrela de cinco pontas e a mensagem: “Vá para as montanhas”.
O coronel pigarreou, enquanto se levantava. Era sinal de que não aprovava a conversa. Olhou para Camile com aquele olhar de “a filha é sua”, e deixou a mesa. A mãe terminou o café em seguida e disse, enquanto recolhia a louça:
- Você irritou seu pai novamente, filha. Se apresse para não perder o ônibus da escola.
– Tudo bem, mãe. Falta só a página policial. É a pior!
– Você não tem jeito Zi... Suspirou a mãe, caminhando em direção à cozinha.
- Caraca, guria! Essa tua paranóia tá piorando... – Provocou Gustavo, ao mesmo tempo em que saía segurando o último pedaço de pão com a caneta da irmã espetada. Ele também não tinha muita paciência com as histórias dela, mas, “levava de boa”, como costumava dizer.
Ísis não se abate com a incompreensão familiar, apenas recorta cuidadosamente a mensagem e arquiva para análises posteriores. Seu método de decodificação era complexo demais e exigia muita atenção, de forma que ela sempre carrega sua pasta de mensagens, para trabalhar nos intervalos entre as aulas.
As duas primeiras aulas passam voando. Mal tocara o sinal da entrada, já batera o do intervalo. Isso, na percepção de Zi, que, com tantas coisas na cabeça, realmente não via o tempo passar. Talvez porque nada na aula a interessasse. Embora gostasse de estudar, não se sentia estimulada naquela medíocre “fábrica de robôs”, sua classe de oitava série, recheada de meninos e meninas “acéfalos”, ou seja, quase todos os colegas. Apenas Demócrito a compreendia. Mas um menino ruivo, com a pele tão sardenta que mais parecia um leopardo de uniforme, e ainda com um nome daquele, não era parâmetro de normalidade e nem de aceitação por parte da galera.
- E aê, Zi, qual é a de hoje? – Pergunta Demócrito, depois que os dois sentaram na grama atrás do pátio da escola.
- Montanhas, Dedé. Eles querem me ver nas montanhas.
- Você vai?
- Está tudo conforme os planos. Saio no dia do meu aniversário.
- Mas o seu aniversário é mês que vem Zi! A mensagem marcava o dia?
- Ainda não tenho certeza...
- E como você vai saber onde? Tem montanhas pra tudo que é lado!
- Ainda tenho tempo pra descobrir.
- Seu pai não vai deixar você ir. Como vai fazer?
- Eu vou dar um jeito.
- Cuidado Zi, qualquer coisa dá um toque.
O sinal bate novamente, hora de voltar para a sala. Mais uma vez Ísis não percebe o tempo passar, só consegue pensar nas montanhas e, Demócrito estava certo. Como saber onde? Seu coração acelerava cada vez mais com a idéia de finalmente poder se encontrar com eles. Após tanto tempo de mensagens escondidas, agora era a hora da verdade. Estaria pronta?- Ísis! - Chamou uma voz na porta da sala.
- Eu! - Disse a menina acordando do devaneio.
- Posso conversar com você na minha sala?
Era a coordenadora. O que será que ela queria dessa vez? Ísis vez por outra era chamada na sala de Sofia, uma senhora que conservava a beleza na idade e que era muito inteligente. Ísis não era má aluna, não tinha o que temer, mas o olhar de Sofia parecia que entrava na alma dela e lia todos os seus sonhos, medos e desejos. Isso dava medo.
- Claro... - respondeu trêmula.
As duas caminharam para a sala de Sofia em silêncio. Ísis estala os dedos freneticamente enquanto, em vão, tenta fingir não estar nervosa.
- Aconteceu alguma coisa? - Perguntou Ísis tão logo pisaram na sala.
Sofia sorri e aponta para a cadeira, convidando Ísis a sentar-se. A menina evita o contato visual, fingindo estar interessada na decoração da sala. Sofia a observa por alguns instantes e cruza os braços em cima da mesa.
- Me diga você. Aconteceu alguma coisa?
Ísis não levanta a cabeça. Apenas diz um singelo "não". Sofia tira os óculos e apóia-se nos cotovelos.
- Ei... olha pra mim!.. Isso! Tenho ouvido alguns comentários dos professores de que você anda muito distraída. No que anda pensando?
- Em nada. - disse sem pensar.
- Hum... um garoto talvez?
Ísis gela. Será que ela sabia do Demócrito? Não era possível! Ela escondia aquilo com todas as suas forças. Será que mesmo assim ela percebeu? Abaixa a cabeça e aperta os olhos, como se assim fizesse os olhos da coordenadora esbarrarem em suas pálpebras.
- Não! - disse em tom de deboche. - nada de garotos, tenho mais o que fazer!Sofia acha engraçado, aconselha a menina, como qualquer coordenadora faria, e acrescenta:
- Se quiser conversar não hesite em vir até aqui está bem? Vou adorar saber o nome dele...
Ísis sorri, se despede e volta correndo para sala. Já estava quase na hora do momento de apreciação musical. O diretor da escola acreditava que momentos de música eram fundamentais para o desenvolvimento dos alunos e dona Sofia se encarregava de rechear alguns dias de música clássica, outros de música brasileira e ainda as sextas-feiras do hino nacional.
A escola ficava encantada, todos dedicavam aqueles cinco minutos apenas para a música. As caixas de um som velho, porém potente, ficavam voltadas para o pátio da escola sempre após o intervalo e, assim, a música ressoava pelos cantos silenciosos ou cheios de barulhos incômodos. Tudo virava uma coisa só unida pela melodia que banhava as salas. Este era o momento clímax das manhãs de Ísis, momento no qual ela tirava as melhores conclusões de suas pistas achadas nos mais diversos lugares, era o momento de reflexão e de descoberta dos códigos.
Naquela segunda-feira, os violinos trouxeram alguma coisa de maturidade, que colaborou para que Ísis acreditasse um pouco mais na sabedoria que ela traz.Ísis gostou um pouco mais de Sofia. Por algum motivo passou a confiar nela um bocadinho a mais. Uma paz lhe invadiu a mente quando entendeu que não tinha enganado a coordenadora. Entendeu que, apesar do medo de ter sua paixão secreta revelada, a distração não era culpa de garotos. E Sofia sabia disso, mas, mesmo assim, respeitou seu espaço e deixou a porta aberta para uma futura amizade. Ter uma amiga adulta até que podia ser uma boa, ela precisaria de toda a ajuda necessária. Ainda mais se essa amiga fosse a coordenadora da escola! Bom, ainda tinha um mês para definir se ela era ou não digna de confiança. Afinal, se seus planos caíssem em mãos erradas poderiam causar grandes estragos...O sinal tocou novamente indicando o final da aula e Ísis saiu apressada para não perder o ônibus. No entanto, na porta da escola tem uma idéia:
- Dedé, fala para o motorista que eu passei mal e que meu pai veio me buscar tá?- Para onde você vai?
- Vou a pé, preciso pensar em algumas coisas e com o Gustavo em casa não dá.- Mas e o seu pai?
- Hoje ele não vai em casa almoçar e minha mãe já deve ter saído para fazer compras. O que me dá em torno de uma hora. Daí é só chegar, jogar a comida pela janela e pronto! Ela nem vai desconfiar!
- Pela janela? Bom, que seja. Toma cuidado viu? Qualquer coisa me liga!
- Pode deixar!
Ísis sai correndo pelo outro portão enquanto Demócrito dá o recado ao motorista. Talvez por isso Ísis gostasse tanto de Demócrito, ele estava sempre acobertando suas idéias e travessuras. Por algum motivo nunca se envolvia, mas sempre a apoiava. Sem falar daquelas sardas no rosto dele. Poderia existir algo mais fascinante? Quantas figuras podia formar com todos aqueles pontinhos que se apertavam em suas rosadas bochechas!
Ísis vai assim caminhando de uniforme azul e mochila nas costas, ora pensando em Demócrito, ora na coordenadora, ora nas montanhas... e a verdade é que não conseguia se concentrar em nada. Deveria descobrir onde, exatamente, seria o encontro. Quanto mais rápido melhor seria para planejar como chegaria lá. Gostava da idéia de pedir ajuda a Sofia. Será que ela entenderia? Mas mesmo assim, o que diria aos pais? Afinal não gostava de mentir, isso sempre dava errado... como fazer então?
- Ei moça! - chamou uma voz atrás dela.
- Oi?
- Você sabe onde fica a montanha russa?
- Onde fica o quê? - Os olhos de Ísis brilharam.
- A montanha russa!
Eureka! Como ela não tinha percebido isso antes? Estava tão óbvio! A estrela de cinco pontas estava de cabeça para baixo! Montanha + ponta cabeça = montanha russa! E ela vira naquela mesma manhã a propaganda do parque.
Ísis pensa em correr, mas parece que só de pensar já chegou. Entre aquele fechar e abrir de olhos de uma piscada, ela pára de pensar.
- Uau! - disseram ao mesmo tempo ela e aquele menino sem nome.
Na entrada lia-se "Montanhas Mágicas" em letras coloridas. Exatamente o que ela precisava! Admirou aquele lindo portal, que mais parecia o limite para uma outra dimensão.
Como que entrando em casa de desconhecido, retirou o pequeno chapéu branco de florzinhas azuis e esteve ali por alguns instantes. Olhou em volta e nem reparou que o menino já tinha sumido.
Ísis mal podia se mexer de tão emocionada. Seu coração de menina batia tão rápido, que parecia ter se cansado de morar apertadinho, queria saltar para fora e... Ela pára de repente.- Duas montanhas russas... - pensa em quase voz alta, de frente àquele monumento.- Duas montanhas russas... - repete baixinho.
O interessante é que ela já vira montanhas russas maiores e mais sofisticadas, mas aquelas duas causavam um quê de paixão, de proibido e até de mágico...

- Está tarde! Pensou Ísis ainda encantada com o ‘Montanhas Mágicas’. Os olhos da menina brilhavam refletindo todos aqueles vaga-lumes gigantes, girantes ao seu redor.
As luzes do parque refletiam magia e a menina se deixou encantar.
Ísis tinha também ali se reencontrado! O parque a fez aproximar-se de si mesma, imersa em luzes, cheiros, gargalhadas, cores e... Ali queria permanecer num não cessar até que todos os sinais viessem às suas mãos, mas ainda lhe faltava um mês e a busca deveria ser sua.
- Não devia ter demorado tanto! Pensava já aflita ao caminhar em direção à rua que lhe fizera entrar no parque.
Passo dado pela menina era logo repetido por ele. Se Ísis se virava para ver o relógio ou amarrar o casaco na cintura, ele logo a imitava. E assim iam os dois... Ísis preocupada nem o havia percebido, mas ele não desistiu e continuou a dançar com os passos apressados da menina.
Os dois passaram pelo carrossel até chegarem à primeira montanha-russa. Foi então que Ísis ao lembrar mais uma vez o que lhe dizia o jornal naquela manhã, mesmo correndo, decidiu parar. Logo, passo cessado pela menina e passo quase imitado pelo palhaço, resultou-se num tombo bem dado!
Ísis se assustou com aquela confusão, mas ao ver aquele velho palhaço caído ao seu lado, não conseguiu tirar-lhe os olhos... Aliás, achou a roupa do palhaço tão bonita, parecia com a camisa de seda que tinha dado ao pai em seu aniversário.
- Colorido a camisa do teu bonito! Quase sem fôlego exclamou a menina.
- Me parece que as palavras teimam em dar cambalhotas no céu da nossa boca! Respondeu o palhaço depois de também dar uma cambalhota antes de se levantar.
Ísis ao perceber o que tinha dito explicou, levantando-se, que estava nervosa, pois seu pai já deveria estar em casa a aguardando furioso.
Não houve tempo para que os dois se conhecessem, pois Ísis estava realmente aflita, se despediu e saiu correndo.
- Um mês que nada, agora só terei três semanas! Dessa vez não escapo de uma semana inteira de castigo! Refletiu Ísis ao chegar à porta de casa.
Mal tocara a campainha e a faxineira já abrira a porta. Ísis, ao entrar calada, decidiu muda ficar. Foi direto para o quarto. Bastante preocupada, mas ainda anestesiada por tudo o que lhe tinha ocorrido no ‘Montanhas Mágicas’, decidiu despejar todos os seus arquivos na cama e ligar o computador, para que estivesse ocupada com possíveis estudos. Talvez assim pudesse abrandar o castigo!
O primeiro vocábulo pesquisado é montanha, o segundo não seria outro além de mágica... A cada segundo, milhares de novos sentidos lhes eram dados. E no computador, todo aquele mágico cenário se recriou... outros cenários foram surgindo, outras personagens, cores... Ísis atentou-se, surpresa, para cada um deles, a cada segundo, a cada dado um novo sinal se fazia presente.
A menina, concentrada, entrou ainda mais no mundo que ela mesma criara. Que ela mesma se encontrara.
- Abre logo a porta menina! Já preocupada a faxineira gritava.
Sem quase ouvir as batidas, também já sem se concentrar na pesquisa, Ísis retornou ao quarto, à escrivaninha, a todos os arquivos na cama, assim, à voz da faxineira.
- Mas menina, tua mãe está te esperando lá embaixo!
- Minha mãe lá embaixo? Pensou Ísis.
A menina mesmo tentando se esquivar da bronca que com certeza levaria, não pôde deixar de abrir a porta. Saiu do apartamento. Desceu à garagem e lá encontrou Dona Camile cheia de sacolas.
- Me ajude aqui, Zi!
- Mas você demorou mãe!
- Demorei? Você acha que é fácil escolher todas essas verduras, legumes, carnes, teus biscoitos e tudo da semana em uma única hora?
- Desculpe, juro que pensei que fosse mais tarde!
- Já comeu filhinha? A moça cuidou direitinho da casa?
- Não, nadinha!
- Como assim, o que ela fez? Minha Nossa Senhora!
- A mãe, a senhora já pensa o pior, além de fazer mil perguntas ao mesmo tempo. Disse que não quis comer nada! Tô sem fome.
- Mas você também acha que não devo me preocupar com isso? Suba logo que eu quero ver o seu prato vazio, limpo e enxuto na pia! Com certeza a senhorita ficou todo esse tempo no computador...
- Tá bom mãe! Tô cansada, bora subir!
- Ai se seu pai tivesse almoçado em casa!
As duas seguem ao elevador.Enquanto Dona Camile está preocupada com alguns itens que faltam comprar na farmácia e no açougue, Ísis já aliviada e sem compreender como poderia ter passado somente uma hora no parque, constata que terá que voltar lá com urgência.

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Queridos escritores: Pensei que aquela passagem onde Ísis pesquisa no google (a cada segundo mil coisas acontecem), que será idealizada pela Dani, poderia ser encaixada neste capítulo... vejam se realmente isto será possível. Isso é com a Dani, por isso não me atrevi a escrever muito... A gente define na segunda, qualquer coisa poderei reformulá-lo!

Capítulo 1

Colegas escritores,
segue o capitulo 1 (que estava no novo blog) revisado segundo o debate da aula passada. Sugiro que ao ser postado no outro blog ele seja renumerado para cap2. (por Gláucio).

Sete horas da manhã. Iris senta-se à mesa primeiro. Naquele último momento de calma, tem tempo para folhear o caderno cultural e deixar sobre a mesa o restante do diário para o seu pai, que confere a página de entretenimentos, da qual é o editor de plantão. Íris faz seu leite com chocolate e dá continuidade ao seu ritual de todas as manhãs. Enquanto termina o seu leite ouve a voz de sua mãe preocupada com o horário:
- Meu Deus, já estou atrasada! – Mais uma vez o despertador não tocou, Dona Mariana levanta-se nervosa.
- Bom dia meu anjo... – Beija a cabeça da filha única. Senta-se apresada para empurrar uma grande xícara de café forte e amargo, único item de seu desjejum antes de sua dupla jornada de empregos.
– Oi mamãe. Dormiu bem? Cê ta bonita! Nós vamos ao cinema amanhã?
- Oh, minha linda! A mamãe está com pouco tempo. Mas, a gente combina o cinema depois... – Levanta-se a mãe enquanto senta-se o pai. Os dois trocam um rápido selinho matinal, antes de dona Mariana bater em retirada.
- Vê se dorme um pouco, Morcegão. – Recomenda mariana. – Você tem chegado muito tarde do jornal!
- Vou só tomar o café com a minha gatinha, antes dela sair. Hoje eu não vou estar aqui quando ela voltar – responde Guimarães.
- Bom dia princesa. Já leu o jornal todo? – Brinca Guimarães, com a mania de leitura da filha. – Eu ouvi você perguntando sobre o cinema pra mamãe. Se ela não puder ir, eu vou, tá bom?- Tudo bem, Guima. Já estou acostumada... – responde conformada. A condição de ser filha única agrava ainda mais a solidão de Íris, que se afunda cada vez mais nos livros em busca de companhia.Para passar o tempo Íris costuma invadir em segredo o computador do seu pai para mexer nos arquivos do trabalho. Gosta de ler o que ele escreve, às vezes se arrisca fazendo pequenas alterações. Sente-se tão mais próxima de seu pai nesses momentos, e igualmente próxima de sua profissão, que é sonho da menina.
Íris anda muito atarefada ultimamente. Dentre outras atividades ela freqüenta o clube de literatura da escola. Ela gosta muito de estudar. Gosta de se manter ocupada, imersa nos livros, seus melhores e atualmente únicos amigos. Sonha em um dia ser escritora, talvez mesmo jornalista, como seu pai. Em suas noites em casa, passa as horas anteriores a ir para cama e cair no sono escrevendo em seu diário. Escrevia sobre tudo, escrevia sobre seu dia, mas também poesias, histórias criadas ao longo do dia e tudo o mais que vinha a sua cabeça. Também se arriscava a fazer desenhos, mas era bem crítica com relação a eles, gostaria de ter talento para eles e poder ilustrar suas próprias histórias, mas não conseguia ficar satisfeita com nenhum deles. O sentimento de satisfação sempre tomava conta de Íris quando terminava de escrever em seu diário, mas juntamente com ele vinha o tremendo medo, o pavor de que alguém algum dia encontrasse seus escritos. Não que ela tivesse o que esconder, mas por algum motivo que não entendia muito bem, talvez fosse só seu jeito tímido mesmo, o fato é que tinha uma enorme vergonha de que lessem ou vissem qualquer de suas obras, ao menos por enquanto.
Íris está numa fase estranha de sua vida. Não se reconhece muito bem no espelho, parece que tudo mudou de uma hora para outra. Às vezes seus pais se preocupam com o fato de não trazer amigos da escola, não falar deles, nem ficar horas ao telefone como as demais garotas da sua idade. Era realmente muito estranho para eles, afinal, ela tinha tantas atividades... Mas preferiam dar espaço à menina, Essa era tímida, mas iria desabrochar na sua hora. Fora o corre-corre diário da mãe, a vida noturna do pai e as excentricidades da filha, os Guimarães são como qualquer família de classe média e se amam muito. Porém Íris... Íris tem alguma coisa. Já não consegue prestar atenção a boa parte das histórias de seu pai, falando daqueles “áureos tempos da juventude”, “o seu tempo de ativista político” e sente falta da mãe. Seus dias parecem estar se fechando num ciclo de rotina que não mais a comportava. Íris tem lá seus meios de calar toda essa estranheza que nasce dentro do seu corpo de treze anos, onze meses e imaginação realmente muito fértil.
A escola anda meio chata ultimamente para Íris. Sua matéria preferida é História. Quantas vezes já foi à Idade da Pedra, chegou até os maiores confrontos da humanidade, viu os mais belos monumentos, para depois tornar a ver a si mesma, sentada na carteira, como sempre, na primeira fila. Sabe, essas viagens costumavam ir mais longe, parecia realmente que alguma coisa estava acontecendo. Hoje, as duas primeiras aulas quase não passaram. No recreio, aquele alívio, a sala se esvazia e ela é a última a sair. Desembrulha o lanche que já traz de casa, come-o quietinha, e vai ao encontro daquelas três meninas ali, com quem ela até conversa, mas não se abre. Está cada vez mais sozinha naquele mundo da escola. Na aula seguinte, enquanto fazia o exercício de Geometria, lembrou-se dos planetas, das galáxias, do sol, do zodíaco, e se deu conta que seu aniversário estava perto. Já ouvira falar em inferno astral, mas será mesmo? Não sabia o que tinha, mas sentia um vazio, não conseguia mais brincar com a antiga fluidez, previa totalmente seu dia e já se entediava antes de qualquer coisa: quando chegar em casa, vai tirar o uniforme, fará todas as lições, verá os jornais na TV, jantará alguma coisa sozinha e depois irá para a cama, tentando ficar acordada para receber o precioso beijo de boa noite da mãe, se ela não chegar muito tarde.
Nesse ritmo, passou mais um dia de aula. Sabia que esperaria o ônibus, como sempre, naquela parada, como sempre, e que, no ônibus, estaria o mesmo motorista, como sempre. Íris, indo contra todo aquele “como sempre”, resolveu fazer algo diferente:
- Hoje eu vou pra casa a pé.

Devaneio de Ísis

Oito horas da manhã. O sinal da escola toca. Ísis entra na sala, como sempre no meio de tanta gente, mas se sentindo sozinha. Mas hoje havia algo de diferente. O parque não saía de sua cabeça.
A professora de matemática resolvia um problema, mas nem os fascinantes milhares de milhares de pontos do plano cartesiano prendiam a atenção da distraída menina. Ela que sempre gostou de pensar em como dois pontinhos poderiam formar uma reta ou em como frações de segundo formavam minutos, horas, dias, meses, anos e séculos, não podia deixar de ficar deslumbrada com o que aconteceu no dia anterior. Aquele dia em que todo esse sistema chamado tempo se desfez.
Enquanto a turma acompanhava a aula, Ísis continuava pensando que assim como aqueles pontos formavam retas que viriam a formar planos, os pequenos acontecimentos de sua vida formavam algo que não conseguia explicar o que era. Estaria crescendo? Ela esperava que não. Em sua cabeça de menina, passavam-se vários episódios que tanto lhe marcaram. Aquele dia a tantos anos atrás no planetário, aquela tarde na casa de sua tia que seu pai nunca descobriu e, agora, o tempo que passara no parque. As luzes, as pessoas, as montanhas, tudo aquilo lhe vinha à memória. Ela já tinha ido a outros parques antes, mas aquele parque...ah, aquele parque. Ele tinha algo de vivo, algo que faltava em seus dias. Aquele parque que quebrava o sistema fechado e rígido do tempo poderia quebrar também, ou pelo menos fazer esquecer, toda aquela ditadura que a cercava diariamente? Certamente que sim. Ele já havia feito isso. No fundo ela sabia que se tornaria freqüente naquele lugar.
Agora estava decidida. Ia prestar atenção na aula. Esqueceria por algumas horas o carrossel, o chão batido que deixara seu tênis avermelhado, o palhaço. Uma ansiedade lhe tomava o coração, pois sabia que precisava voltar ao parque. Mas agora precisava prestar atenção na aula de geografia. Só que o tempo não passava. Ah...os segundos, as horas....

Roteiro de personagem: Ísis

PERSONALIDADE

1. Nome Completo: Ísis A. Ventura

2. Data de nascimento: 11 de junho 1995 (signo de gêmeos)

3. Nome dos pais :

a. Mãe: Camille Andrade

b. Pai: Coronel Adolfo Ventura

4. Irmão:Gustavo Andrade Ventura (15 anos)

5. Outros parentes: A tia Léia, irmã do pai, é astróloga

6. Onde vive: Apartamento funcional, 7º andar, 702

7. Como é o lugar onde vive: limpo, sem vida, “espartano”.

8. Classe social: média alta

9. Orientação sexual: heterossexual

10. Preferências literárias: livros de aventura

11. Preferências musicais: gosta de tudo

12. O que gosta de comer: mm´s, uvas do amor, grãos

13. O que não gosta de comer: macarrão

14. Lugares onde gosta de ir: planetário

15. Esportes: Não pratica

16. Profissão que exerce: estudante e faz inglês

17. Cores favoritas: azul

18. Brincadeira favorita: ligar os pontos

19. Histórico familiar: Teve rubéola quando menor e adorou

20. Sonhos e objetivos: astrologia

21. Frase de efeito ou eu gosta muito: “ponto e ponto e ponto”

22. Caráter; sonhadora, distraída, ansiosa, comunicativa, desajeitada/desastrada

23. Humor: Feliz

24. Como gosta de ser vista: Excêntrica (diferente da família)

25. É bonita? Sim, mas não linda, normal

26. Como ela se vê: desajeitada

27. Trauma físico: uma pequena cicatriz no queixo, mas ela gosta. Não tem traumas.

28. Trauma psicológico: não tem

29. Deficiência física/psicológica: não tem

30. Amigos: não muitos, mas se relaciona bem com as pessoas

31. Extrovertida ou tímida? Extrovertida

32. Relacionamento amoroso: “queda” pelo Dedé

33. Como fala: corretíssima

34. O lugar que lhe dá paz: fora de casa

35. O lugar que lhe tira a paz: a casa

36. Situações em que perde a compostura: quando falta a sua parte preferida do jornal, o que só aconteceu uma vez.

37. Tipo de vocabulário: normal

38. Gírias: raramente utiliza alguma

39. Instrumentos musicais: não toca

40. Talentos artísticos: não tem

41. Gosta de dança? Sim, mas sai para festas. É saltitante, alegre.

42. O que a faz relaxar: comer confetes escondida

43. Gosta de brigar ou é calma? Calma

44. Escreve? O quê? Não

45. Relacionamento com as pessoas ao redor: bom

46. Saudade: da tia que mora longe com a família

47. Televisão: Não vê

48. Hobby: pontos

49. Gosta de fotografia? Normal

50. Gosta de falar ao telefone? Não

51. Coleção: mensagens do jornal, que guarda em uma pasta

52. Organizada ou desorganizada? Desorganizada

53. É paciente? Ansiosa

54. Tem alguma doença? Não

55. Obsessão: pontos

56. Como é sua voz? Fala muito rápido

FÍSICO

1. Olhos: castanhos

2. Formato dos olhos: redondos

3. Formato das sobrancelhas: normais, finas

4. Formato dos lábios: normais

5. Aparência: tem duas pequenas pintas (como os dois ii do seu nome)

6. Orelhas: normais

7. Dentes: normais

8. Cabelos: castanhos

9. Corte dos cabelos: reto, nos ombros, liso e sem franja

10. Unhas: curtas e bem cortadas

11. Gorda ou magra? Normal

12. Altura: 1,55m

ADEREÇOS

1. O que gosta? Chapéu de florzinhas

2. Tatuagens? Não tem

3. Brincos: dois pontinhos nas orelhas

4. Colares e pulseiras: de miçangas

5. Roupas que usa: que a deixa livre, confortável. Shorts e tênis

6. Penteados que costuma fazer: simples

7. Que tipo de bolsa usa? Mochila

8. Óculos? Não usa nem de grau nem de sol

9. Relógio: Sim. Só os pontinhos, sem números

10. Usa perfume? Só às vezes. O da mãe, escondido

Descrição de Demócrito

Fiz uma descrição do Demócrito, só um palpite, mexam à vontade. Mudei o nome neste texto porque não me sinto muito confortável com Demócrito, mas isso não significa que tenha que mudar o nome, mas fica pelo menos para pensar se fica Demócrito mesmo.

Otávio, amante do mistério, não tão somente porque gosta dos romances de Agatha Christie ou dos contos de Edgar Allan Poe. Mas porque ama saber que todas as pessoas guardam grandes mistérios, esse mistério humano objeto de sua paixão. Admira a imprevisibilidade, garante que não há nada de mais humano. Sua personagem favorita é Medéia, que primeiramente é apresentada como vítima para depois se tornar a agente do crime.
“Os homens são como cebolas, muitas camadas, mas não tem como se livrar delas, elas fazem parte das pessoas.” Como aspirante às artes culinárias, Otávio gosta de fazer essa comparação, os homens-cebola como sempre dizia. Desconfiava terrivelmente dos plenamente bons ou maus. “Uma pessoa que não consegue me mostrar camadas, é plana, uma tábua. Fico apenas na superfície e as melhores surpresas estão nos recheios, que é de uma pessoa sem recheio?” pensou saboreando uma deliciosa bomba.
Contudo, Otávio tendia a ser mais pessimista do que otimista no que se referia à figura humana, mas gostava de mostrar apenas sua face otimista. Encantava facilmente qualquer um, sempre cortês e confiante, era difícil não despertar empatia. Já era claro para ele que seguiria carreira no Teatro, poderia representar quantas pessoas quisesse e buscar esse mistério que todos guardam, até para fugir do seu próprio mistério que tanto teme. Otávio, nesse desejo louco, vira tantos outros que até esquece quem é.
Talvez o grande erro de Otávio seja achar que consegue ficar imune aos outros, acredita que suas máscaras são as mais discretas. Mas ele se engana, porque nesse grande baile de mascarados, a máscara de todos um dia cai. E de fato a máscara de Otávio cairá quando tentar se mostrar uma pessoa para Isis e outra para Iris. O que acontecerá é que ele acabará por esquecer quem de fato quem ele é. A vida pode até parecer um grande palco para representações diversas, mas as pessoas estão para além do que elas gostariam de representar.
Filho de dois servidores públicos, irritava-se constantemente com os pais, reclamava do cotidiano, das coisas sempre iguais. “Por que comer sempre sopa no jantar?” Diante de desafios como esse, aprendeu a se virar com os ingredientes. Logo cedo, começou a fazer combinações aparentemente esdrúxulas. Na maioria das vezes o resultado de suas experiências não são totalmente bem sucedidas, mas em cerca de 12% de suas loucas gastronômicas experiências, o resultado é uma explosão maravilhosa de sabores, difícil de explicar, perceptível apenas para o paladar. Silvia Maria, sua mãe, nunca esqueceu o sabor do bolinho de castanha-do-Brasil com recheio de queijo-minas.
Todavia, ela jamais provaria novamente tal sabor, é que Otávio era avesso a receitas, dizia que elas limitavam seus talentos e em suas palavras: “cada prato é um prato, impossível de ser imitado”. Assim, o menino jamais fazia uma iguaria igual a outra, todas eram diferentes. Com a cozinha e a representação, Otávio driblava o tédio do seu dia-a-dia. Mas era algo que lhe custava caro: grandes pilhas de louça na cozinha e a crise de identidade por ser tantos e não ele só.

Sete horas da manhã. Íris senta-se à mesa primeiro. Naquele último momento de calma, em que todos ainda estão dormindo, tem tempo para folhear o caderno de política e deixar sobre a mesa o restante do jornal, que a casa vai devorar, cada um a sua maneira. A mãe normalmente cata os classificados, o pai confere a página de entretenimentos, pela qual é o editor responsável no plantão noturno do jornal. Íris faz seu leite com Nescau e dá continuidade ao seu ritual de todas as manhãs. Enquanto termina o leite, ouve o grito da mãe:
- Meu Deus, já estou atrasada! – Mais uma vez o despertador não tocou. Dona mariana pula da cama já nervosa com o horário e com o esquecido marido, “que já devia ter consertado aquele maldito despertador!”
- Bom dia meu anjo... – Beija a cabeça da filha, senta-se apressada para empurrar uma grande xícara de café forte e amargo, único item de seu desjejum, rico de eletrizante cafeína, combustível para uma longa jornada em dois empregos estafantes no centro da cidade.

– Oi mamãe. Dormiu bem? Cê ta bonita! Nós vamos ao cinema amanhã?... – Segue Íris falando desenfreadamente. Ela gosta de aproveitar os poucos minutos que tem com a mãe, que sai muito sedo todos os dias e só volta quando filha já esta dormindo.
- Oh, minha linda! A mamãe está com pouco tempo. Mas, a gente combina o cinema depois... – Levanta-se a mãe enquanto senta-se o pai. Os dois trocam um rápido selinho matinal, antes de dona Mariana bater em retirada.
Seu Guimarães, como sempre, mesmo tendo chegado do trabalho de madrugada, faz questão de tomar café com a filha, pois não estará em casa quando Íris voltar de seu longo dia de estudante, de suas diversas atividades extracurriculares, como a aula de flauta transversal, natação e do clube de literatura que participa na escola. Íris gosta muito da escola, gosta de se manter ocupada, imersa nos livros, seus melhores e atualmente únicos amigos. Sonha em um dia ser escritora, talvez mesmo jornalista, como seu pai. Em suas noites em casa, passa as horas anteriores a ir para cama e cair no sono escrevendo em seu diário. Escrevia sobre tudo, escrevia sobre seu dia, mas também poesias, histórias criadas ao longo do dia e tudo o mais que vinha a sua cabeça. Também se arriscava a fazer desenhos, mas era bem crítica com relação a eles, gostaria de ter talento para eles e poder ilustrar suas próprias histórias, mas não conseguia ficar satisfeita com nenhum deles. O sentimento de satisfação sempre tomava conta de Íris quando terminava de escrever em seu diário, mas juntamente com ele vinha o tremendo medo, o pavor de que alguém algum dia encontrasse seus escritos. Não que ela tivesse o que esconder, mas por algum motivo que não entendia muito bem, talvez fosse só seu jeito tímido mesmo, o fato é que tinha uma enorme vergonha de que lessem ou vissem qualquer de suas obras, ao menos por enquanto.
- Bom dia princesa. Já leu o jornal todo? – Brinca seu Guimarães, com a mania de leitura de sua filha. – Eu ouvi você perguntando sobre o cinema pra mamãe. É que ela esta trabalhando e estudando muito, minha filha. Mas, se ela não puder ir, eu vou, tá bom?
- Tudo bem, Guimarães. Já estou acostumada... – Responde conformada. Íris se lamenta do pouco contato com a mãe nos últimos anos. Guimarães, como é chamado informalmente pela sua princesa, tenta suprir a ausência de Mariana. A condição de ser filha única agrava ainda mais a solidão de Íris, que se afunda cada vez mais nos livros em busca de companhia.
Para passar o tempo e a solidão, Íris costuma invadir em segredo o computador do seu pai para mexer nos arquivos do trabalho. Gostava de ler o que ele escrevia, às vezes se arriscava fazendo pequenas alterações. Sentia-se tão mais próxima de seu pai nesses momentos, e igualmente próxima de sua profissão, com a qual a menina sonhava.

Íris está numa fase estranha de sua vida. Não se reconhece muito bem no espelho, parece que tudo mudou de uma hora para outra. Às vezes seus pais se preocupam com o fato de não trazer amigos da escola, não falar deles, nem ficar horas ao telefone como as demais garotas de sua idade. Isso era realmente muito estranho para eles, afinal, ela fazia tantas atividades... mas preferiam dar espaço para a menina, ela era tímida, mas iria desabrochar na hora. Mas, seus pais são pessoas tranqüilas. Fora o corre-corre diário da mãe, a vida “morcega” do pai e as excentricidades da filha, os Guimarães são como qualquer família de classe média e se amam muito. Porém Íris... Íris tem alguma coisa. Já não consegue prestar atenção a boa parte das histórias de seu pai, falando daqueles “áureos tempos da juventude”, “o seu tempo de ativista político” e sente falta da mãe, que sempre estava trabalhando. Seus dias parecem estar se fechando num ciclo de rotina que não mais a comportava. Íris tem lá seus meios de calar toda essa estranheza que nasce dentro do seu corpo de treze anos, onze meses e imaginação realmente muito fértil.
Na escola as coisas também andam estranhas. Íris continua gostando muito de estudar. Sua matéria preferida é História. Quantas vezes foi à Idade da Pedra, chegou até os maiores confrontos da humanidade, viu os mais belos monumentos, para depois tornar a ver a si mesma, sentada na carteira, como sempre, na primeira fila. Sabe, essas viagens costumavam ir mais longe, parecia realmente que alguma coisa estava acontecendo. Hoje, as duas primeiras aulas quase não passaram. No recreio, aquele alívio, a sala se esvazia e ela é a última a sair. Desembrulha o lanchinho que já traz de casa, come-o quietinha, e vai ao encontro daquelas três meninas ali, com quem ela até conversa, mas não se abre. Está cada vez mais sozinha naquele mundo da escola.
Na aula seguinte, enquanto fazia o exercício de Geometria, lembrou-se dos planetas, das galáxias, do sol, do zodíaco, e se deu conta que seu aniversário estava perto. Já ouvira falar em inferno astral, mas será mesmo? Não sabia o que tinha, mas sentia um vazio, não conseguia mais brincar com a antiga fluidez, previa totalmente seu dia e já se entediava antes de qualquer coisa: quando chegar a casa, vai tirar o uniforme, fará todas as lições, verá as novelinhas e os jornais na TV, jantará alguma coisa sozinha e depois irá para a cama, tentando ficar acordada para receber o precioso beijo de boa noite de dona Mariana, se ela não chegar muito tarde.
Nesse ritmo, passou mais um dia de aula. Sabia que esperaria o ônibus, como sempre, naquela parada, como sempre, e que, no ônibus, estaria o mesmo motorista, como sempre. Íris, indo contra todo aquele “como sempre”, tomou uma decisão que parecia boba, mas que mudaria o rumo da nossa história:
- Hoje eu vou pra casa a pé.

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