Aniversário de Íris

Na noite anterior Íris não escrevera em seu diário. Perdido... como era possível? Logo ela que sempre teve tanto cuidado com aquele caderninho! E se alguém o encontrasse? Meu Deus! Tudo aquilo sob os olhos de um perfeito estranho! Ou pior, e se por uma dessas coincidências do destino quem o achasse fosse logo algum conhecido? Não! Era demais! Não conseguia nem imaginar! Fosse quem fosse que encontrasse o precioso diário, saberia de tudo! Mas tudo o quê? De fato, Íris não tinha grandes segredos, não tinha nada a esconder... mas, mesmo assim seria estranho, quem lesse aquelas páginas leria todos os seus pensamentos, seus sentimentos, suas impressões. Seria como se lessem a própria garota, inteirinha... Que estranho!
Todos esses pensamentos correram sua mente realmente rápido. Segundos, talvez no máximo 1 minuto e olhe lá! Por algum motivo o medo de ser “lida” não era a maior preocupação de Íris, ela se sentia sim desconfortável com a idéia, mas o que realmente a chateava em toda aquela história era não poder escrever em seu diário naquele exato momento tudo o que tinha vivido no dia anterior. Íris temia que sua memória não fosse suficientemente confiável para guardar todas aquelas lembranças. Sim, porque sem dúvida alguma, a memória humana não era nada confiável mesmo. Do contrário, porque o homem teria inventado de escrever as coisas? Ela tinha medo de perder a menor informação que fosse daquele dia maravilhoso. O carrossel, a roda-gigante, a montanha-russa... ah, a montanha-russa, montanha-mágica!
Porque foi perder o bendito diário?! Agora, a cada instante que passava, corria o risco de esquecer mais e mais detalhes preciosos... mas não podia deixar isso acontecer. Como se arriscar a perder um dos melhores e também mais confusos e extraordinários dias de sua vida?! Tinha que manter tudo vivo. E se havia uma boa maneira de se fazer isso, seria voltando ao parque. Se recordar é viver, então o contrário também valeria com certeza. Tinha que voltar lá, para viver tudo outra vez, olhando para os brinquedos tornar claros cada detalhe do que já tinha se passado, reviver, mais ainda, viver coisas novas, quem sabe até encontrava seu diário?! Seria ótimo! E era exatamente isso que ela faria.
- Assim que a aula acabar! – pensou em voz alta.
- Sim, minha filha – sua mãe entrava na cozinha – volte para casa assim que sua aula acabar, tentarei estar aqui o quanto antes para comemorarmos todos juntos o seu aniversário.
- Ah, sim, mamãe – disse Íris pega de surpresa. Estava tão absorta em seus pensamentos que sequer percebera sua mãe chegando.
- Bom dia, meu anjo. Feliz aniversário! Nossa, 14 aninhos, hein?! Como passa rápido!
- Bom dia pai... é 14 anos... – respondeu Íris não tão animada com a idéia.
- Guima, não se esqueça de comprar o bolo para mais tarde. Não terei tempo de fazer um, mas não vamos deixar de ter um bolo bem bonito para cantar os parabéns para nossa filhinha, né? – diz Mariana.
- Claro, querida! Não vou esquecer.
- Já vou, ou chegarei atrasada. Tenha um bom dia na escola Íris, nos vemos mais tarde. Prometo estar aqui, OK, meu bem?
- OK, mãe.
Íris sabia que a mãe se esforçaria para estar em casa mais cedo, mas provavelmente não conseguiria, como em todos os anos. Fazer o que? As coisas são assim mesmo, ela pensava, os aniversários são assim mesmo nessa família, muito esforço, mas nunca dava pra ficarem todos juntos. Além disso, como Mariana certamente não conseguiria chegar mais cedo em casa, não seria um grande problema se Íris se atrasasse um pouco, assim poderia passar no parque no caminho de volta.
Durante as aulas, Íris só conseguia pensar no parque. Até tentou fazer alguns desenhos em seu caderno. Esboçou os cavalos do carrossel, os brinquedos-prêmio do tiro-ao-alvo, as cores, as formas, e claro, as montanhas-russas. Grandes, lindas, lado-a-lado. Montanhas-mágicas! Quem deu aquele nome ao parque sabia o que estava fazendo!
A manhã inteira foi uma sucessão de “Parabéns”, “Felicidades” e “Feliz-Aniversários”. A todos os colegas e professores Íris respondia com um educado sorriso:
- Obrigada.
Mas pouco lhe interessava os cumprimentos. Mal podia esperar pelo toque do sinal ao final das aulas. Parecia que o tempo passava mais devagar, só para lhe pregar uma peça. Horas, minutos, segundos... e finalmente ele tocou!
- Tchau, professora, tenho que correr!
Correr, não era comum ver a garota fazer isso. A pressa com certeza era um defeito, ela sempre dizia. Mas hoje ela tinha esse defeito. Nunca teve tanta pressa na vida! Não, ela não era mesmo de correr, mas mesmo assim o fez, só parando às portas do parque. Respirou fundo. Mais uma tarde no querido parque, aquelas horas seriam seu presente para si mesma.
Estava determinada a dar a devida atenção a cada detalhe. E assim, adentrou o parque. Olhou a poeira vermelha que subia do chão de terra batida a cada passo seu. Sentiu aquele festival de aromas tão deliciosos, tão doces! As cores, os sons... cada riso lhe parecia uma sinfonia única e contagiante! E assim, sorrindo de orelha a orelha, caminhou em direção ao que mais lhe encantara em todo aquele mundo, as montanhas-russas... montanhas-mágicas!
Parada diante delas, a menina decidiu:
- Já que ontem fui na da direita, hoje vou na da esquerda.
Caminhou em direção ao brinquedo ansiosa. Tudo o que enxergava era aquela enorme estrutura e seus carrinhos. Estava tão focada que sequer percebeu a coisa coberta de terra que estava em seu caminho. E com a cabeça nas nuvens, tropeçou na tal coisa.
- Ai! – gemeu a menina enquanto caía. – quem largou isso no meio do caminho?!
Levantou-se, bateu a poeira da roupa, abaixou-se, pegou a tal coisa, o que seria?
- Uma pasta? Nossa! Quanto papel!
Ela olhava atônita aquela quantidade de recortes de jornal... de quem seriam? E pra que aquilo tudo? Sentou-se para examinar com mais calma. Todos os recortes cheios de pontos e traços. Às vezes formavam desenhos, alguns continham anotações feitas a caneta, mas nada parecia fazer muito sentido... riscos e pontos... quantos pontos! Quanta coisa! Não sabia quem era o dono daquela pasta, mas ele com certeza teve muito trabalho pra fazer aquilo tudo.
Íris olhou o relógio no centro do parque. Já era meio tarde. Nem percebeu que ficara ali tanto tempo. Sua mãe provavelmente não teria chegado em casa ainda, mas achou melhor voltar logo, não queria deixar seu pai preocupado. Resolveu examinar a pasta mais tarde em casa, com calma.
Ao entrar em casa, encontrou, impressionada, o pai e a mãe esperando-a com o bolo nas mãos.
- Viu, minha filha, consegui chegar bem mais cedo hoje. Contei às minhas colegas de trabalho que hoje era seu aniversário e uma delas aceitou trocar de plantão comigo, vou cobrir o horário dela um outro dia. – dizia Mariana sorrindo.
- Vamos, deixe esse material aí no sofá mesmo. Você anda carregando muita coisa para a escola, deve estar cansada. – Guima falava enquanto pegava a pasta e a mochila da filha.
Íris estava muito feliz, não é que a mãe havia conseguido mesmo?! Ela sabia que Mariana queria passar mais tempo com ela, mas era sempre tão complicado! Parecia até que o tempo corria mais rápido para a mãe.
- Bom, então vamos logo aos parabéns, o Guima já vai ter que comer correndo para não chegar atrasado ao trabalho – dizia Íris animada, mas ainda temerosa de perder os preciosos minutos junto aos seus pais.
- Que exagero, querida. Não tenho pressa. Ainda temos muito tempo, você demorou um pouquinho a mais na escola, mas ainda está cedo. Além disso, se precisasse me atrasar um pouco para curtir mais esse dia com você, me atrasaria.
Íris estava confusa. Olhou para o relógio da sala, 14h?! Como seria possível, passara muitas horas no parque, mais até do que pretendia. Sabia que tinha se distraído muito por lá e perdido a hora. Lembrava de ter olhado no relógio do parque. O que aconteceu?
Não conseguia entender, mas estava feliz, muito feliz! A tarde ao lado dos pais foi o melhor presente que recebeu naquele aniversário. Muito melhor que o vestido que ganhara da mãe, ou ainda que a “meia-coleção” de livros da Cecília Meireles que Guimarães lhe deu.
- Não deu pra comprar a coleção toda, mas já é um começo, não? Aos poucos vamos completando.
- Obrigada papai, muito legal mesmo!
À noite, Íris foi se deitar desejando mais que nunca que aquele dia jamais terminasse. Queria tanto escrever sobre ele em seu diário! Pena não estar com ele naquele momento. Mas, que história é essa de que para escrever tem que ser em diário? Pegou um caderno antigo, ainda tinha algumas folhas livres, se queria escrever sobre seu dia, era isso que ela faria, com ou sem diário.
Ela escreveu e escreveu e escreveu... e quando achou que já tinha escrito muito, percebeu que muito não era ainda suficiente, e escreveu mais ainda.
Que dia! E que presentes! Vestido, bolo, livros, o pai, a mãe, o tempo... até o tempo ela ganhou! E a pasta... a pasta misteriosa! Mais um presente que o parque lhe dera.
Quanta curiosidade! Tantas perguntas sobre aquela pasta passavam por sua cabeça. Era claro que não era hora de dormir. Não, era hora de explorar a tal pasta.

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