Capítulo 1

Colegas escritores,
segue o capitulo 1 (que estava no novo blog) revisado segundo o debate da aula passada. Sugiro que ao ser postado no outro blog ele seja renumerado para cap2. (por Gláucio).

Sete horas da manhã. Iris senta-se à mesa primeiro. Naquele último momento de calma, tem tempo para folhear o caderno cultural e deixar sobre a mesa o restante do diário para o seu pai, que confere a página de entretenimentos, da qual é o editor de plantão. Íris faz seu leite com chocolate e dá continuidade ao seu ritual de todas as manhãs. Enquanto termina o seu leite ouve a voz de sua mãe preocupada com o horário:
- Meu Deus, já estou atrasada! – Mais uma vez o despertador não tocou, Dona Mariana levanta-se nervosa.
- Bom dia meu anjo... – Beija a cabeça da filha única. Senta-se apresada para empurrar uma grande xícara de café forte e amargo, único item de seu desjejum antes de sua dupla jornada de empregos.
– Oi mamãe. Dormiu bem? Cê ta bonita! Nós vamos ao cinema amanhã?
- Oh, minha linda! A mamãe está com pouco tempo. Mas, a gente combina o cinema depois... – Levanta-se a mãe enquanto senta-se o pai. Os dois trocam um rápido selinho matinal, antes de dona Mariana bater em retirada.
- Vê se dorme um pouco, Morcegão. – Recomenda mariana. – Você tem chegado muito tarde do jornal!
- Vou só tomar o café com a minha gatinha, antes dela sair. Hoje eu não vou estar aqui quando ela voltar – responde Guimarães.
- Bom dia princesa. Já leu o jornal todo? – Brinca Guimarães, com a mania de leitura da filha. – Eu ouvi você perguntando sobre o cinema pra mamãe. Se ela não puder ir, eu vou, tá bom?- Tudo bem, Guima. Já estou acostumada... – responde conformada. A condição de ser filha única agrava ainda mais a solidão de Íris, que se afunda cada vez mais nos livros em busca de companhia.Para passar o tempo Íris costuma invadir em segredo o computador do seu pai para mexer nos arquivos do trabalho. Gosta de ler o que ele escreve, às vezes se arrisca fazendo pequenas alterações. Sente-se tão mais próxima de seu pai nesses momentos, e igualmente próxima de sua profissão, que é sonho da menina.
Íris anda muito atarefada ultimamente. Dentre outras atividades ela freqüenta o clube de literatura da escola. Ela gosta muito de estudar. Gosta de se manter ocupada, imersa nos livros, seus melhores e atualmente únicos amigos. Sonha em um dia ser escritora, talvez mesmo jornalista, como seu pai. Em suas noites em casa, passa as horas anteriores a ir para cama e cair no sono escrevendo em seu diário. Escrevia sobre tudo, escrevia sobre seu dia, mas também poesias, histórias criadas ao longo do dia e tudo o mais que vinha a sua cabeça. Também se arriscava a fazer desenhos, mas era bem crítica com relação a eles, gostaria de ter talento para eles e poder ilustrar suas próprias histórias, mas não conseguia ficar satisfeita com nenhum deles. O sentimento de satisfação sempre tomava conta de Íris quando terminava de escrever em seu diário, mas juntamente com ele vinha o tremendo medo, o pavor de que alguém algum dia encontrasse seus escritos. Não que ela tivesse o que esconder, mas por algum motivo que não entendia muito bem, talvez fosse só seu jeito tímido mesmo, o fato é que tinha uma enorme vergonha de que lessem ou vissem qualquer de suas obras, ao menos por enquanto.
Íris está numa fase estranha de sua vida. Não se reconhece muito bem no espelho, parece que tudo mudou de uma hora para outra. Às vezes seus pais se preocupam com o fato de não trazer amigos da escola, não falar deles, nem ficar horas ao telefone como as demais garotas da sua idade. Era realmente muito estranho para eles, afinal, ela tinha tantas atividades... Mas preferiam dar espaço à menina, Essa era tímida, mas iria desabrochar na sua hora. Fora o corre-corre diário da mãe, a vida noturna do pai e as excentricidades da filha, os Guimarães são como qualquer família de classe média e se amam muito. Porém Íris... Íris tem alguma coisa. Já não consegue prestar atenção a boa parte das histórias de seu pai, falando daqueles “áureos tempos da juventude”, “o seu tempo de ativista político” e sente falta da mãe. Seus dias parecem estar se fechando num ciclo de rotina que não mais a comportava. Íris tem lá seus meios de calar toda essa estranheza que nasce dentro do seu corpo de treze anos, onze meses e imaginação realmente muito fértil.
A escola anda meio chata ultimamente para Íris. Sua matéria preferida é História. Quantas vezes já foi à Idade da Pedra, chegou até os maiores confrontos da humanidade, viu os mais belos monumentos, para depois tornar a ver a si mesma, sentada na carteira, como sempre, na primeira fila. Sabe, essas viagens costumavam ir mais longe, parecia realmente que alguma coisa estava acontecendo. Hoje, as duas primeiras aulas quase não passaram. No recreio, aquele alívio, a sala se esvazia e ela é a última a sair. Desembrulha o lanche que já traz de casa, come-o quietinha, e vai ao encontro daquelas três meninas ali, com quem ela até conversa, mas não se abre. Está cada vez mais sozinha naquele mundo da escola. Na aula seguinte, enquanto fazia o exercício de Geometria, lembrou-se dos planetas, das galáxias, do sol, do zodíaco, e se deu conta que seu aniversário estava perto. Já ouvira falar em inferno astral, mas será mesmo? Não sabia o que tinha, mas sentia um vazio, não conseguia mais brincar com a antiga fluidez, previa totalmente seu dia e já se entediava antes de qualquer coisa: quando chegar em casa, vai tirar o uniforme, fará todas as lições, verá os jornais na TV, jantará alguma coisa sozinha e depois irá para a cama, tentando ficar acordada para receber o precioso beijo de boa noite da mãe, se ela não chegar muito tarde.
Nesse ritmo, passou mais um dia de aula. Sabia que esperaria o ônibus, como sempre, naquela parada, como sempre, e que, no ônibus, estaria o mesmo motorista, como sempre. Íris, indo contra todo aquele “como sempre”, resolveu fazer algo diferente:
- Hoje eu vou pra casa a pé.

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