Proximidade

Eu adorava quando ela dizia "balão". Quando falava isso, parecia que soprava pequenas bolhas. As palavras saíam de sua boca como se deslizassem. Não eram como as palavras de seu pai, como um turbilhão. Mas naquelas horas nada mais importava além de nós duas ali na cozinha, desfrutando daquela cumplicidade distante que poderia haver entre aquele que serve e quem é servido.
O que mais me agradava em sua companhia era o fato de Marta ser a única que parecia ter algo em comum comigo. A cozinha era meu lugar de trabalho, onde seu pai e os outros compareciam para que eu os servisse. Mas Marta não. Ali ela me contava longas histórias sobre gente desconhecida, enquanto eu apenas observava o modo como ela fazia chá. Aquele chá eu nunca quis provar, mas tenho certeza de que não tinha o mesmo gosto do meu.
Algumas vezes eu tentei lhe contar alguma coisa sobre minha mãe e o tempo em que estudei, mas nada do que eu dissesse pareceria tão facinante quanto aquelas histórias que eu escutava enquanto sentia o cheiro do chá que se misturava com o gosto da sopa agora fria que eu havia servido para o jantar. Outras vezes eu tentei lhe falar sobre festas que eu não fui e amores que não vivi. Bem, ela podia ser jovem, mas não era tola. Marta apenas sorria um sorriso de quem tenta ou finge acreditar. Ainda que minhas histórias fossem verdadeiras, jamais aquelas palavras soariam como quando Marta as falava. E ali ficávamos nós duas em nossa quase intensa proximidade. Ela me contava detalhes de seu dia sorvendo longos goles de seu chá, e eu me sentia importante por poder escutá-la e sentir aquele aroma.

Sinopse
Era uma vez um milhão de pontinhos correndo para um grande ponto. E o grande ponto esperou que um dos pequenos pontinhos entrasse em si como um girino. E assim foi, e assim se fez Sofia, e cresceu o ventre de sua mãe, “Faça-se a luz!” e a luz se fez e nasceu Sofia.
Ela era uma garota muito esperta e tinha uma obsessão por pontos. Para ela, de dois pontos possíveis podia surgir o amor e quem sabe, milhões de pontinhos, um ponto grande e, enfim, outro nascimento; das sementes de melancia podiam-se fazer um belo colar, bastava ligá-los; de uma simples semente podia surgir uma flor. Adorava ligar pontos para dar sentido à vida e para criar outros universos possíveis. Ficava horas olhando o céu estrelado dando sentido a sua existência e fazendo poesia com os astros. Formigas, palavras, pessoas, pingos dos ii, planetas, átomos, células, tudo para ela eram pontos que construíam o universo. Queria se chamar Demócrita em alusão ao sábio grego que acreditava que todos os seres e coisas eram constituídos de pequenas unidades microscópicas. É claro que seu jogo preferido era o de ligar os pontos, mas ela sempre criava outros pontos e fazia outros desenhos possíveis sobre o desenho original.
Aos doze anos de idade, depois de muitos anos ligados um ao outro, dias, horas e segundos unidos formando o curso do tempo, Sofia, a “Demócrita”, teve uma epifania: teve um sonho no qual o grande espelho de seu quarto refletia sua imagem. Ela viu numa mesma imagem o feto que fora no ventre da mãe, a menina que é, seus traços com 1, 2, 3, 4, 5, 6... anos de idade. Era sua imagem inteira com seus pensamentos dentro da barriga da mãe, fora da barriga da mãe, e o impressionante é que ela conseguiu se ver refletida no futuro, como uma velha sábia, afinal seu nome era Sofia, longos cabelos brancos, muitas rugas e, por fim, um branco infinito, um incompreensível vazio, sem pontos, sem nada. “Estou morta!!!”, ela pensou, foi então que ela se viu nascendo com seu choro muito agudo, o ar descolando seus pulmões, seu choro era tão agudo que o espelho partiu-se um minúsculos pontinhos, eram os pontinhos da sua existência, seu reflexo ficou incompleto, pedaços no chão, rosto quebrado, parte da mão, parte de seu conhecimento esparramou-se, outros cacos ou pontos se perderam, outro pedaço e outro, Sofia tentou em vão juntar os cacos e no seu desespero, olhando para o imenso reflexo multipartido, perguntou-se “Quem sou eu?”. Acordou, acendeu a luz e olhou-se no grande espelho de seu quarto, ligou os pontos para dar o contorno de seu corpo, dois olhos, células, uma miríade de pensamentos, era ela, estava ali inteira,..., será? Não lhe saía da mente as letras Q-U-E-M separadas por um espaço, seguidas das letras S-O-U, separadas por outro espaço e seguidas das letras E-U e um imenso interrogação “?”. Há algum tempo Sofia havia tendo sonhos estranhos e instigantes, passou, então, a ligar dois mundos paralelos: o “Mundo dos sonhos” com seus símbolos, seus pontos, seus seres e o “Mundo Desperto” que era a realidade em que ela vivia com seus muitos pontos de vista. O mundo dos sonhos lhe lançara grandes questões para sua cabeça de menina inteligente. “Quem sou eu?” e a sensação clara e óbvia de que um dia iria morrer. Mas ela não queria morrer, embora soubesse que quanto mais pontos somasse à sua idade, mais pontos distante estaria do ponto de partida que seria seu nascimento e mais próxima estaria do ponto de chegada da morte. “Será que existe mais pontos depois do fim?” pensou e em sua mente apareceram três pontinhos seguidos “...”, aprendera que eram as reticências da vida.
Desde então Sofia entrou numa fantástica viagem de autoconhecimento, em busca de sua identidade. Era uma criança inteligente e sabia que ia morrer um dia e isso a deixava pensativa, ao mesmo tempo em que milhões de perguntas lhe vinham à mente sobre o porquê das coisas terem um fim. “Não pode ser um outro início?” perguntava ela. Pode-se enganar a morte?
Com isso, seus sonhos passaram a ser grandes universos de conhecimento como elos que se ligavam ao mundo do “Acordar” ou “Desperto”.
Nesta jornada Sofia conhece Demócrito, um garoto sardento que não gostava muito de suas pintas. Na verdade, ele gostava das coisas inteiras, não costumava dar atenção aos detalhes pequenos como as estrelas, por exemplo. Ele preferia ver um grande bolo gelatinoso com lugares brilhantes, ou seja, ele via o bolo, mas não os pontilhos, ele via a Ursa Maior, mas não dava atenção aos pontos que formavam o desenho, no mais, ele acreditava que não tinha nascido, muito menos iria morrer, achava que sempre tinha existido, pois não se lembrava de quando tinha nascido e a vida ainda continuava rumo ao infinito. Estava sempre no mesmo e eterno instante “o agora”. Não gostava de pensar em dias, horas, segundos, pois imaginava as coisas “totais”, completas, inteiras,...As grandes diferenças de pensamento uniram os dois, bem, uniram na visão de Sofia, já que para Demócrito ele não entendia muito bem o que era unir, sabia apenas da experiência de estar unido, e só. Sofia se perdia em devaneio e imaginação, fazendo infinitos desenhos com as sardas de Demócrito e, enquanto este não suportava o próprio nome, ela dizia “Você tem o nome mais bonito que eu queria pra mim!”.
Foi assim que os dois partiram nesta jornada de autoconhecimento em que muitos outros personagens haveriam de passar por suas vidas, “Au, au!” concordava e se animava Pingo, o chachorro de Sofia, que não era um dálmata como queria ela, pois ele tinha uma só e esquisita cor que não existia na palheta de cores do universo. Como pode? Um cachorro com uma cor que não existe? Enfim, lá foram Demócrito, que não queria se chamar Demócrito, Sofia, a “Demócrita”, Pingo,...rumo às respostas para perguntas quase impossíveis.

Sinopse - Aprendendo a viver

Imagine-se vivendo em uma mansão, tendo tudo que sempre quis, e levando uma vida sem preocupação. Assim, vive Penny, em um mundo de contos de fada. Sua vida passa por uma drástica mudança, ao ver toda a fortuna de sua família chegar ao fim. A nova casa, a nova escola, uma nova maneira de viver e juntamente com esta, uma nova maneira de ver a vida. A história se baseia em uma jornada de autoconhecimento e a busca da verdadeira felicidade.

Um mau sinal

Havia dezessete gatos vivendo no apartamento de Helen. Ela não sabia mais o que fazer. Cada vez, que um de seus gatos pretos morria, apareciam dois em seu lugar. Tudo começou quando aquele gato estranho apareceu em seu apartamento, à primeira sensação foi de medo, afinal, pensou ela, o que aquele bichano, sinônimo de azar, fazia ali. Tentou se livrar dele, mas ele sempre voltava. Foi quando de repente, em um último ato de desespero, ela resolveu matar o gato preto. A sensação de horror e de alívio tomou conta dela naquele momento. No outro dia ao levantar, entrou em pânico ao ver em frente à porta do seu quarto dois gatos pretos.
Foi assim, que depois de um mês, Helen havia adquirido 17 gatos, dos quais, ela não conseguia se livrar. E aí, na sexta-feira seguinte, Helen fez as malas e planejou a fuga. Precisava se livrar da presença incomoda daquelas criaturas, nem que para isso precisasse abandonar seu apartamento. Aquela situação não podia continuar. Fugiu para bem longe, para nunca mais voltar. Passando-se um ano do ocorrido, não conseguia ainda parar de pensar na perseguição que havia sofrido. Foi quando no meio de suas lembranças sombrias, ela enxergou uma mancha preta na parede, que tinha o formato de um animal assustador. Seu coração começou a palpitar, e ao mesmo tempo uma sensação de um tecido de veludo lentamente escorregando dos ombros tomou todo o seu ser. Ela não podia mais agüentar. Estava louca!

Ele, o pai e elas

Ele sentou-se no meio da rua e começou a chorar. Tudo o que desejava era não ter estado ali e nem ter ouvido o que ouviu. Como era possível?
A foto datava de 1945 e na lembrança só lhe vinham as conversas com o pai sobre a maneira peculiar que Ela tinha de preparar o chá. Como poderia aquilo tudo ser verdade?
Ele enxuga as lágrimas e chama um táxi. Ajeita a pequena mala no banco traseiro e se senta ao lado. Lágrimas ainda lhe percorrem o rosto enquanto diz:
- Para o aeroporto por favor.
O motorista puxa assunto e vez por outra Ele responde com um monossílabo qualquer, mas seu pensamento está distante, repassando diversas vezes a cena que vivera momentos atrás:
- Lamento que você tenha descoberto tudo dessa maneira... não era para ser assim... me perdoe!
A luz forte do aeroporto interrompe seus pensamentos perdidos e Ele desce do carro. Paga o táxi e vai em busca de seu destino.
- 1945... - repete ele baixinho - como é possível que fosse Ela?
- Existem muito mais verdades na vida do que as em que estamos dispostos a acreditar. - fala uma voz por cima do ombro Dele.
- Pai?! Mas... o que você está fazendo aqui? Como sabia onde me encontrar?
- Ela me ligou chorando quando você saiu, imaginei que estaria aqui. Fugindo! Como sempre...
- Então você sabe porque... Você sabia o tempo todo?
- Desculpe, mas como é que eu ia te contar? Você estava feliz, Ela estava feliz... para que saber?
- Mas como?
- Eu a reconheci. Ela e sua avó eram muito amigas. Ela teve que me contar.
- Isso não pode estar acontecendo... eu tenho que ir.
- Espere! Deixe-me explicar...
O avião estava atrasado duas horas e mesmo assim o pai não parecia se aproximar de uma conclusão.
- Então Ela se apaixonou por mim quando eu a atendi no hospital? Mas Ela estava delirando! A beira da morte!
- Sim, mas foi só aí que Ela pôde reconhecê-lo! Só então Ela o identificou... sua alma gêmea!
- Isso é ridículo. - disse Ele, articulando bem os lábios como se seu pai os tivesse lendo.
- Não seja cético meu filho! Dê uma chance a você mesmo e ao sentimento que cresce no seu peito! Vocês querem ficar juntos e...
- Pai, Ela morreu!
- Mas voltou! Jovem, bonita e... e o chá que Ela faz? Igualzinho ao da sua avó...
- Escuta o que você está falando! Essa mulher tem 95 anos! E está morta! Isso é impossível! E você está a duas horas falando, mas não disse nada!
Nesse momento parece que o pai perde a cabeça e por um instante parece não pensar no que diz:
- Você não conhece a Morte! - As palavras do pai ecoam no ar... Ele, que já estava de costas, vira-se novamente e não acredita no que ouve.
- Você não conhece a Morte! - repete o pai com os olhos arregalados. - Você não a conhece! Linda, carinhosa, de vermelho... a Morte não é como dizem. - mais calmamente o pai continua - ela é colorida e tudo ao seu redor também fica quando ela se aproxima... parece... parece um anjo! Mas seu olhar profundo não deixa esconder quem ela realmente é. - neste momento o pai olha para baixo e parece buscar coragem para emitir a próxima frase:
- Eu também voltei... Por você. Por sua mãe. Milagres não existem. O que existe é o amor... e a Morte.
- Mas... mas como?
- Não dá para explicar... isso é entre você e ela. Entre cada um de nós e ela.
- Tá bom, pra mim já chega. Isso tudo é demais para a minha cabeça. Eu vou embora.
- Então você vai deixa-La sofrer por uma vida inteira outra vez?
Ele emudeceu. Seus olhos novamente se encheram de lágrimas. Ele olhou o pai com carinho, como se assim pudessem se comunicar, secou o rosto e partiu.

Sinopse 3


Havia uma cidade bege, que há muito tempo perdeu o gosto de infância. Lá, por algum motivo desconhecido, as brincadeiras e jogos de diversão foram desaprendidos. Peão, boneca, bola de gude, tudo ou foi encaixotado ou virou peça de museu e enfeite. Ninguém sabia se fora proibido, mas não se falava sobre. Um dia, porém, aconteceu de um enorme e colorido parque de diversões aproximar-se da cidade e por ali permanecer. De maneira sorrateira e/ou escondida, com a ajuda de um garoto que viaja e reside no parque, essas crianças (re) descobrem o lado lúdico e a utilizar a imaginação. O que para esse garoto era trivial e desinteressante, para outros desconhecido e proibido, passa a ganhar novos tons e significados para todos; até o final, mesmo os adultos e a cidade sofrem bruscas mudanças.

O Casarão

Ali estava eu, em pé, quando tudo o que mais queria era fazer algo proibido. Era a mesma sensação, de quando criança, me levava de volta aquele tempo. A ordem que havia na arrumação da sala me dava aquela antiga inquietação nas pernas, mostrava o tanto que as crianças dali haviam crescido.
Quartos, sala, móveis, sofás, televisão. O avião havia atrasado mais de 2 horas e eu, recém chegado do aeroporto, ainda não me sentia a vontade soltar a mala e sentar no sofá que tantas vezes foi meu forte, meu submarino. A mancha no canto da parede quebrava a rigidez em que a casa se encontrava e me fez rever todas aquelas galáxias e constelações que via entre os tons de cinza e preto, naquela mancha que mais parecia com um buraco nego dentro daquele pequeno universo doméstico.

Me espanto agora com o tanto que uma vida, por minúscula que seja, é capaz de enraizar várias outras ao seu redor, e vovô fazia isso. Sua casa era mundo, um mundo que vejo agora tão fraquinho como suas pernas. Aquele velho, que na minha memória era apenas tosses, resmungos e choros no quarto ao lado, que andava quase sem vida há anos, mantinha unido os frágeis elos daquela família de minha infância. Sua enfermidade, seu ocilar entre a vida e a morte prendia todos às suas funções e a casa tornava-se algo vivo que se movimentava enquanto eu, pequeno, dormia e acordava ao longo dos dias, fazendo parte de seu ciclo, mas alheio a tudo isso.
Agora vejo como tempo é parado. A casa é sem vida. Vejo meu apressado retorno ao Casarão, devido a morte de meu avô, como uma viagem sem volta.

Proposta de União das Sinopses

Era uma bela manhã de domingo quando Sofia acordou e, como fazia todas as manhãs, parou em frente ao espelho e se contemplou. Sempre ficava assim, por horas a fio a pentear os longos cabelos negros a pensar em sabe-se lá o que...
-Espelho, espelho meu... Existe alguém no mundo mais bela do que eu?
- Não, não - respondia ela mesma engrossando a voz - tu és a mais bela!
Mas naquele dia foi diferente. Não por algo grande ou uma mudança drástica, até porque a mudança de destino da gente acontece pela junção de pequenos acasos e nessa história de não foi diferente...
De repente Pelézinho pula em cima da cômoda e grita "Miau!!!!" com toda a sua força de gato. No susto, Sofia se vira bruscamente e joga o amado espelho no chão.
-Não!!!
Tarde demais... havia caquinhos por todos os lados espalhados em seu quarto.
Depois de alguns segundos para recobrar o ar, ela se ajoelha e pacientemente reúne pedacinhos de seu melhor amigo... seu único amigo... Que tragédia! Toda a magia daquelas manhãs, todas as histórias que ela e o espelho compartilhavam, estava tudo acabado! Não... não poderia ser assim. Devia de haver uma saída. Junta daqui, prende dali... mas não consegue encaixar! Ficam faltando alguns caquinhos e sua imagem, antes de princesa de um reino lindo, agora é deformada e triste... mais parecida com a de uma bruxa de um outra história qualquer.
Sai para buscar cola. Mas quando volta algo de peculiar mudaria sua vida para sempre: O espelho sumira! Mas como? Havia menos de 2 min que deixara o quarto! Olhou em cima da estante, atrás do armário e até embaixo do prato de comida de Pelézinho a procura dos pontinhos, que agora era tudo o que o espelho representava, mas não encontrou nada. Nem os mais pequenininhos, aqueles que viraram mesmo pó. Não os encontrou.
Sofia tinha apenas 12 anos quando sua jornada começou... Sua busca pela imagem perdida naqueles pontinhos todos. Como se fosse possível, com o passar do tempo e da intensidade de sua busca, parece que passou a enxergar tudo assim, em pontinhos... Qualquer um que encontrasse já lhe atiçava o espírito. Fosse o que fosse! Bola de gude, jabuticaba, estrela e até ponto final! Todos aqueles pontinhos que podia ligar com o lápis naqueles joguinhos de jornal.

Daí pra frente em sua busca pelos pontos, ela encontra o menino sardento e várias outras mulheres com algo em comum: Todas elas têm um pedaço de espelho. Seja no brinco, no pingente, no cabelo, na mochila ou como decoração de alguma coisa. Maiores ou menores pedaços. Essas mulheres são de idades diferentes e têm uma característica muito forte. Ex.: uma é gorda e come pizza três refeições por dia, outra é jogadora profissional de futebol, bete embaixada até no chuveiro etc. Todas extremamente exageradas em um ponto só. E na verdade essas são coisas que Sofia gosta. Como se fossem as partes dela que desintegraram com o espelho e "declararam independência" para constituir uma pessoa só. Por isso cada uma delas carrega um pedaço do espelho, é como se correspondesse a parte de Sofia que ela representava.
Deu pra entender???

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Ísis sempre adorou seu nome, só se aborrecia quando esqueciam os pingos nos ii, isso porque ela era uma garota apaixonada por pontos. Antes de começar a escrever, seu jogo favorito era o de ligar os pontos, ficava maravilhada como aqueles pontos podiam virar um desenho, e o melhor, ela era a criadora desses desenhos. Por isso não é difícil imaginar que Ísis, quando adolescente, tivesse o sonho de virar astronauta, desejo fundamentado na idéia de que ela amava observar as constelações no céu, como se as estrelas fossem pequenos pontos, ela sabia identificar com facilidade Escorpião, Ursa Maior, Cruzeiro do Sul; todos ficavam admirados. Ísis sempre foi assim: encantada com os pontos-cruz de sua vó, com os caroços da melancia, com o formigueiro, com grãos diversos; sempre montava os mais absurdos desenhos com a junção desses. Tudo mudou quando Ísis conheceu Otávio, um menino com muitas sardas. Ísis se apoixonou pelo rapaz: a infinidade de pontos que ela pode ligar! Todavia, as pintas de Otávio não duram para sempre: por causa de um leve Vitiligo, as pintas vão sumindo com o tempo. Quando Ísis descobre essa peculiaridade de Otávio, ela não tem mais como formar seus desenhos, eles não são mais fixos. Ela descobre, então, que a inconstância dos desenhos formados, a incerteza de que aquele ponto estará ali amanha ou não é o que trará a ela a sua maturidade. Com a incerteza, a dúvida surge; primeiro vem o medo e a negação e só depois a compreensão. Só depois Ísis passa a realmente conhecer Otávio e percebe que antes ele fora apenas um ponto (apesar das infinitas pintas), e depois ele passa a ser uma infinidade de coisas, das quais ela aprende a gostar. Percebe que ele era o seu espelho, um espelho partido e imperfeito, talvez, mas um espelho que dizia o que ela era e não o que ela refletia para os outros.

Sinopse - Espelho

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Celina quebra o espelho da casa. Ao se aproximar dele, percebe sua imagem fragmentada e resolve juntar as partes como num quebra-cabeça. Curiosamente, faltam pedaços de seu rosto no espelho. Teriam sumido suas partes? Celina sai pelo mundo a procura de si e acaba descobrindo mais do que imaginou encontrar.


Cecília e Priscilla.

Diálogos

Espaço para avisos, recados e afins.

Menino-Balão

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Eu adorava quando ela dizia “balão”. Ao fazer isso, parecia que soprava pequenas bolhas.
Eu ficava a repetir “balão, balão, balão” numa tentativa desesperada de ouvi-la novamente dizer aquela palavra, queria que o ambiente se inundasse com pequenas bolhas. Todavia, ela entendia a repetição como um pedido. Muitas vezes se irritava e eu ficava muito tempo sem ver balões e bolhas. Mas na maioria das vezes eu ganhava um balão, cada vez de um tipo variado: enrolados em forma de bicho, os que escapam das mãos e somem no céu, os que cheiram demais, os que brilham, os com formas conhecidas e desconhecidas.
Mas de todos os balões o que mais me encantava era o que carregava gente. Com cores impressionantes e demasiadas, o balão queria roubar a beleza do céu, uma maldade. E fazia o sonho de voar verdadeiro; contudo, era um voar tal qual devaneio, sem direção, levado pela inércia dos pensamentos.
Talvez pensasse em vôo por conta do aeroporto. Estávamos esperando a nossa hora no saguão, o avião já estava atrasado duas horas. Ela, mesmo impaciente, comprara um balão em formato de águia para mim. Mas eu não estava contente, eu mostrava o balão e ela apenas resmungava, não repetia a tão desejada palavra. E eu esperava ansioso que as bolhas invadissem aquele saguão e me fizessem companhia. Mas imaginava que quando elas saíssem de sua boca logo encontraria um lugar para se espetar, afinal o local estava lotado de caras agudas.
Chateei-me com os seus resmungos e fui me perder entre as caras agudas, sempre preocupado com a fragilidade do balão. Fui cuidadoso e esquivei-me bem das farpas que as pessoas soltavam, a impaciência salta fagulhas que contaminam as pessoas, imaginei que elas também feririam meu balão.
Nesses caminhos e descaminhos que fazia no saguão fui atraído por um cheiro que me era muito familiar, lembrei-me do final de semana que passamos em Itacaré. Ele também estava lá, o cheiro azedo e levemente adocicado que minha mãe exalava era cheiro de felicidade. Quando ele sumiu, nunca mais senti esse cheiro. Estava perdido nas lembranças confusas e quando acordei me deparei com uma vendedora, que entregava mostras de um perfume. Ali o cheiro azedo e suave com gosto de casa, Itacaré, felicidade e dele num frasco na mão de uma estranha.
Meu balão estourou, não tinham bolhas para me confortar. O mundo na ausência de minha mãe era cinzento e cheio de espinhos. Pensei se eu podia estourar assim como meu balão, eu não queria estourar, chorei. E as pessoas à minha volta estavam confusas e eu não queria que elas chegassem perto de mim porque eu tinha medo de estourar. Só consegui me acalmar quando vi a primeira bolha a despontar entre aquelas caras estranhas que vitimaram meu balão. Lá veio ela com suas bolhas na boca a dizer “ali o balão, ali o balão, ali o balão”. Fiquei, então a admirar as bolhas; enfim, o conforto dela, das bolhas que saiam de sua boca por causa de balões.

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Havia dezessete gatos vivendo no apartamento de Hilda.
Ao mesmo tempo em que percebia sua dedicação a eles, era difícil acompanhar esta adoração exacerbada. Os amigos que ali estavam não compartilhavam tal gosto. Elisa estava submersa em seus espirros, enquanto Larabel sentia ânsias.
Apeguei-me a três pequenas gatinhas que estavam na banheira quando necessitei ir à toalete, havia duas semanas que tinham nascido. Assustei-me ao encontrá-las em local tão inusitado, mas em cada cômodo do apartamento de Hilda havia um telefone e no mínimo, três gatos, além de inúmeras estantes com livros bem coloridos, quase preenchendo todas as paredes. Quanto a Hilda, bem, ela podia ser jovem, mas não era tola! Adorava entreter-se com o ambiente que estava. Quando parava em frente a uma estante, não saía enquanto não devorasse pelo menos cinco livros, o primeiro escolhido era sempre de poesias, os demais, o que o momento lhe despertasse. Caso alguém a telefonasse, atendia ali mesmo, sem sair do lugar, pois para cada cômodo, como já disse, havia um telefone, cada um de uma cor diferente.
Das três gatinhas a que me chamou mais a atenção foi a preta, a qual tinha um rabo quebrado. No momento que entrei, ela saiu da banheira e num pulo, estava nos meus pés, como estava de calça com barra larga, a danada começou a subir pelas minhas pernas, senti cócegas e num movimento incômodo e talvez excitante, comecei a dançar, eu e a gata, nós no banheiro.
Passada meia hora, voltei a mim, lavei o rosto, lavei as mãos e o sabonete era em forma de rosa, antes de sair coloquei a gata na banheira, em seguida toquei na rosa e lavei novamente as mãos.
O corredor era largo, o apartamento era antigo, paredes infiltradas, odor forte, era frio. Ao final do corredor, antes de retornar à sala, percebi uma mancha na parede, num único filete de parede sem livros. Hilda com certeza havia colado ali diversas figuras e em seguida rasgado várias delas para outras serem coladas, havia nesta imagem uma confusão de movimentos delineados pelos rasgos e colagens e, neles, percebi nossa dança, havia um recorte com uma rasgadura semelhante à silhueta da gata e os espaços ao seu redor, eram as minhas pernas. Lembrei da dança. Lembrei dela. Corri, voltei ao banheiro e ela não mais estava lá. O que havia acontecido?
Abri os armários abaixo da pia, de repente, num pulo, ela alcançou meu pescoço e numa leveza, como a sensação de um veludo lentamente escorregando dos meus ombros, surgiu em minhas mãos. A levei para a sala e me despedi de Hilda e os demais.
Passei cinco meses sem visitá-la, nos revimos no meu vigésimo terceiro aniversário, Hilda chegou com uma caixa verde com fitas douradas e, vestida com um gracioso cachecol preto, caminhou em minha direção, deu-me um beijo, abriu a caixa e a minha bailarina ali estava. Hoje, há vinte gatos em meu apartamento.

"Eu adoro chapéus"

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“Eu adoro chapéus”. Isso foi o que disse Orlando antes de matar sua amada. Ficou por algum tempo contemplando a mulher ali caída sobre a cadeira. Os olhos dele guardavam o incompreensível, as lágrimas, o amor, a dor, o tempo suspenso, o cheiro agridoce da loucura. Os olhos dela foram perdendo o imenso brilho até se tornarem dois órgãos opacos, sem ninguém dentro. Ele relembrou, numa mistura de curiosidade e desespero, sobre o pacto que validara seus atos. Matara Isadora no ápice de seu amar. Matara ou libertara? Se naquele instante o cadáver pudesse dizer algo teria dito “Dança comigo!” e então eles teriam dançado, pois se um morto pode dizer algo, possivelmente, pode dançar algo.

Faziam dez anos que Isadora estivera numa prisão, sobrevivendo sobre uma cadeira de rodas, sem os movimentos suaves de sua arte, sem a desenvoltura de um corpo que desenhava perfumes no ar. Ela amava dançar. Ao pactuar com Orlando, ela bem sabia que por trás dos possíveis e premeditados atos dele estava a polpa de seu desejo, um portal pelo qual haveria de atravessar, movendo suas doces pernas, o quadril delicado, poderia, enfim, fazer poesia com seus giros e cabelos flutuantes, sem o fardo de existir. Bem, ela podia ser jovem, mas não era tola. Era isso mesmo o que ela queria para viver: morrer. Então, poderia criar. Dançar. Orlando consentiu e se consumiu em seus pensares e pesares. Bang! Bang!

Ele, que muito a amava, sorriu e chorou e ajeitou o chapéu na cabeça dela, pois comprara para a despedida e para a dignidade dela e para a estética de uma morte trágica. Bang! Bang! Assassino e libertador, ele se tornaria mártir de seu amor. Apesar de, até ali, tudo ter acontecido como o planejado, as palavras certas, o tom exato, os dois disparos, algo incontrolável e preocupante vibrou dentro dele. Havia preparado as palavras mais belas sobre o amor universal e seus sentimentos sagrados de amante, preparara com muito esmero e precisão aquele epílogo de versos, sem isso, nada daquilo teria valido a pena. Nada! Porém a emoção do fato consumado arrebatou-lhe como num êxtase, as manchas de sangue no vestido dela embaralharam sua memória e o silêncio absurdo que ali se instalou causou-lhe engulho. Lembrou-se do forte cheiro azedo de vômito, que ocorrera em situações semelhantes. Seus olhos tornaram-se desconcertados, suas mãos tremiam e não conseguia dizer absolutamente nada. Nada!

Vislumbrando o abismo à sua frente, à flor dos nervos, quase babando, a iluminação começou a baixar, ao que ele, bradando, arrancou o chapéu do cadáver, colocou-o em sua cabeça e gritou como um bufão “Eu adoro chapéus! Eu adoro chapéus!...”. Como um pobre enlouquecido, ingênuo e feliz, disse quase num sussurro “Eu adoro chapéus!”, disse de forma pequena, terna e profunda “Eu adoro chapéus”. A luz foi-se apagando, ouviu-se os passos dele em disparada para as coxias.

Jorge nem precisou voltar para os aplausos começarem, pois dos bastidores ele ouviu a enérgica resposta do público. Voltou, sem o fardo do personagem, para olhar a multidão saciada à sua frente, uma constelação de olhos que oferendavam seu brilho para aquele ritual humano.

Chapéu

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''Eu adoro chapéus''. Isso foi o que disse Clara antes de matar Beto. Não temeu olhar pra trás após ter deixado o corpo estendido. Tentou rezar por pena, mas já esquecera a segunda parte do pai nosso. Apenas parou e admirou seu chapéu, era o que lhe dava pose, trazia-lhe magia.
Matar não fazia parte de seus planos, mas nada e nem ninguém a impediria de chegar longe, aonde sempre soube que viveria; afinal o tempo de tristeza não existia mais.
Clara estava satisfeita consigo, apesar de sentir uma certa angústia. Bebeu um copo d'água e sentiu o gosto do antigo perfume de sua mãe. Isso a balançou um bom tanto, não conseguia fugir de lembranças e sabia que apenas elas poderiam impedi-la. Trêmula, caminhou até a cozinha, onde na maior parte do tempo via a mãe. Pensava no modo como cantava, sorria e até mesmo na maneira como ela fazia chá, fazendo cada mistura mágica que sempre surpreendia a filha.
Já em pânico, Clara resolveu sumir. Bem, ela podia ser jovem, mas não era tola, sabia que em pouco tempo a procurariam para prestar depoimento. O ermo da prisão intensificaria suas lembranças, a mataria aos poucos. Seria mesmo o fim.
A moça sumiu por muitos anos. Porém, sua memória ainda a atormentava. Vira a mãe morrer e matara Beto, seu pai. Há pouco tempo, se matou, com vestido de luxo e o chapéu favorito nas mãos. Meu Deus, como adorava chapéus!

Mudança de planos

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Ali estava eu, em pé, quando tudo o que mais desejava era fazer algo proibido.
Olhei mais uma vez para a vitrine, o brilho me seduzia, despertava em mim um desejo que não sabia explicar, apenas sabia que se não o realizasse agora não teria coragem jamais.
Respirei fundo. Uma, duas, três vezes. Espiei ao redor, o movimento nas redondezas naquele dia estava calmo, anormalmente calmo. Tudo parecia conspirar a meu favor. Parei de pensar, quando vamos fazer algo errado não podemos refletir muito, ou acabamos por desistir, e eu, decididamente, não queria desistir.
É agora ou nunca!
Atravessei a porta, um sensor qualquer anunciou a minha entrada no lugar. Observei com calma o ambiente. Tinha ares de lugar sagrado, iluminação discreta para não agredir a beleza de cada um dos objetos ali. O cheiro suave e requintado de um lugar onde a pobreza não tinha vez. O som de alguma sinfonia, que não consegui distiguir bem qual, mas que fazia com que quiséssemos permanecer ali o máximo de tempo possível.
Senti tudo isso num único olhar, numa única respiração, naquele ínfimo momento que estive só, desde que a companhia anunciara minha presença e ela saía de algum lugar nos fundos da loja e chegava até mim, solícita.
Não, não a conhecia, e certamente não sabia o seu nome, mas anotei mentalmente que teria de descobrir, e logo. Quando perguntou-me em que podia ajudar, não soube responder. A vontade que me levara até ali passara no instante em que coloquei os olhos nela, no exato instante que o gosto de seu perfume penetrou meus poros e me trouxe a recordação do cheiro de minha falecida mãe. A única coisa que eu queria, agora, era estar com ela, senti-la próxima a mim, tê-la.
Disfarcei. Avisei que apenas viera olhar um anel que vira na vitrine, mas quando se dispôs a pega-lo para mim não soube dizer qual.
Bem, ela podia ser jovem mas não era tola. Percebeu que eu não estava sendo sincero. Olhou-me nos olhos e perguntou novamente, agora sem ares de vendedora, em que podia me ajudar. Ousei dizer a mim mesmo que era ela quem eu queria, mas essas palavras não passaram de pensamentos que mantive presos apenas em minha cabeça, do mesmo modo que não passaram de pensamento o desejo de estar com ela agora em Itacaré, na antiga casa onde um dia havia sido feliz, num belo e romântico fim de semana. Mas tudo era sonho, apenas devaneio, se dissesse isso em voz alta ela poderia ter me mandado para Deus sabe onde.
Então, mais uma vez disse que era uma anel que havia visto na vitrine, e desta vez soube apontar, com certeza, qual. Pegou a peça, "era exatamente o que eu queria". Embalou-o, paguei uma fortuna, que dividi em várias prestações que só poderiam ser pagas naquela loja (precisava de algum motivo para voltar sempre), e saí.
De fato aquilo que agora eu carregava no bolso era meu sonho inicialmente, apesar de haver planejado adquiri-lo de outra forma, mas nesse momento meu desejo era outro. Infelizmente, esse não era só pagar para ter. Meu sonho, segundo me informara um crachá, tinha nome: Alice.

Juliana Reis

Herança

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Havia dezessete gatos vivendo no apartamento de Hilda. Vivos, esparramados nos sofás, tapetes, em sua cama, os olhos acesos na noite, os bichanos ronronando à mínima impressão de uma ausência sua. Ciumentos e ferinos todos, logo eles que lhe ensinavam o dever da renúncia e a conviver com a sucessão.

Mortos, idos, passados teriam sido quantos mesmo? Muitos, mais que os dezessete que ainda disputavam seus afagos, pão e leite. Isso pra não levar em conta os que nunca iam, eternos em suas sete vidas.

A maioria morrera muito antes, no espaço amplo da fazenda capaz de abrigar e agasalhar todos que lá se refugiavam. A época de sua inocência, como quereriam os amantes de cachorros, dog persons. Ela? Bem, ela podia ser jovem, mas não era tola. Ao menos, era como pensava à época. Só depois da primeira morte é que percebeu, sim, tanta tolice, meu Deus! A juventude, a época verde, o primeiro e derradeiro apego, a pretensão de a todos manter vivos e perto.

A mãe, não fora ela que iniciara tudo, os primeiros aparecendo apenas na busca de alimento à noite? Chegavam cautelosos, vidravam os olhos nela, quase sempre na cozinha, lembrava-se bem. Do mesmo modo, Hilda não desgrudava, as pupilas dilatadas, tentando aprender o modo como ela fazia chá, aquela infusão de paciência, a platéia de felinos crescendo com o passar dos anos. Até que.

Bem, aí fora quase inevitável. Quase. Porque ainda lhe ocorrera aquele mórbido pensamento. No instante mesmo em que, coberta de preto como mandava a tradição da época, avistou as flores do jardim da tia Sylvia é que teve o ímpeto de catar um a um os bichos pelo rabo e lançá-los ao túmulo da mãe, para que além daqui continuassem sua silenciosa companhia. Era assim mesmo como faziam no Egito, tudo e todos enterrados na tumba dos faraós. E pelo que ouvira dizer era dessa região que vinham os tais bichanos, lá da terra seca onde nunca se ousava dizer adeus. Pois então! Por ancestralidade, deviam estar mais que acostumados a seguir seus senhores.

Tanto pesar apenas porque sentiu o aveludado daqueles bichos a lhe eriçar a pele quando viu as flores balançando em compasso com a brisa, vai-e-volta. Passado o arrepio do momento, optou por lançar sobre o sepulcro apenas um punhado de terra e ornar a lápide com a inscrição da figura de seus animais estimados e algumas flores desse mesmo jardim. Assim é que acabou por herdar aquelas dezessete vidas felpudas e famintas.

Atividade do dia 11.8.2008

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Ali estava eu, em pé, quando tudo o que eu queria era fazer algo proibido. Ele também queria. A todo tempo, nossos olhares se cruzavam e se desviavam rapidamente, receosos de que as outras pessoas na sala percebessem a nota de desejo que resultava desses rápidos encontros. Decidi, então, que a solução seria seduzi-lo.
No fim da reunião, as pessoas, cansadas, começaram a sair depressa. Eu, porém, me demorei um pouco mais. Ele também o fez. Perguntei se ele havia notado a mancha na parede, perto da porta, me aproximei e, discretamente, girei a chave. Ele percebeu e não esperou por outro sinal: me beijou com fúria, enquanto suas mãos decidiam se abriam minha blusa ou levantavam minha saia. Minhas mãos sabiam exatamente o que fazer.
Ele e eu ali, e a boca dele passeando no meu corpo me dava a sensação exata de um tecido de veludo negro, lentamente escorregando dos meus ombros. As mãos dele, ávidas, pareciam querer decorar a textura da minha pele.
Com os olhos nos meus, ele disse baixinho:
- Quero você amanhã de novo.
Eu, sem dizer palavra, concordei.
Ele tirou a mão úmida das minhas pernas, arrumou a própria roupa, destrancou a porta e saiu.
Eu, de novo, demorei-me um pouco mais.
Desta vez, para retomar o fôlego.

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