Sete horas da manhã. Íris senta-se à mesa primeiro. Naquele último momento de calma, em que todos ainda estão dormindo, tem tempo para folhear o caderno de política e deixar sobre a mesa o restante do jornal, que a casa vai devorar, cada um a sua maneira. A mãe cata os classificados, o pai rasga e recorta algumas figuras que ele coleciona. Íris faz seu leite com Nescau e dá continuidade ao seu ritual de todas as manhãs. É só terminar o seu leite que ela ouve tocar o despertador da sua mãe:
- Meu Deus, já estou atrasada!
O pai vai acordando e pedindo logo um beijo da filha, que é única. Quando a mãe sai do banho, praticamente arrumada, o pai, ainda de pijamas, senta-se à mesa preparando um pouco do pão do dia anterior, que ainda estava por ali. Ele ajuda muito, mas como sua profissão é a música, ainda passa por alguns altos e baixos, e não tem como arcar com tudo sozinho, além de trabalhar de madrugada. Já a mãe tem mais de dois empregos e luta para sustentar a casa e os estudos da filha. Às oito horas da manhã, Dona Mariana sai e a filha vai para a esquina com o pai, esperar pelo ônibus.
É uma família tranqüila, se amam muito, mas Íris... Íris tem alguma coisa. Já não consegue prestar atenção a boa parte das histórias de seu pai, falando daqueles “áureos tempos da juventude”, “o seu tempo de ativista político” e sentia falta da sua mãe, que sempre estava trabalhando. Seus dias parecem estar se fechando num ciclo de rotina que não mais a comportava. Íris tem lá seus meios de calar toda essa estranheza que nasce dentro do seu corpo de treze anos, onze meses e imaginação realmente muito fértil. Íris gosta de estudar.
Sua matéria preferida é História. Quantas vezes foi à Idade da Pedra, chegou até os maiores confrontos da humanidade, viu os mais belos monumentos, para depois tornar a ver a si mesma, sentada na carteira, como sempre, na primeira fila. Sabe, essas viagens costumavam ir mais longe, parecia realmente que alguma coisa estava acontecendo. Hoje, as duas primeiras aulas quase não passaram. No recreio, aquele alívio, a sala se esvazia e ela é a última a sair. Desembrulha o lanchinho que já traz de casa, come-o quietinha, e vai ao encontro daquelas três meninas ali, com quem ela até conversa, mas não se abre. Está cada vez mais sozinha naquele mundo da escola.
Na aula seguinte, enquanto fazia o exercício de Geometria, lembrou-se dos planetas, das galáxias, do sol, do zodíaco, e se deu conta que seu aniversário estava perto. Já ouvira falar em inferno astral, mas será mesmo? Não sabia o que tinha, mas sentia um vazio, não conseguia mais brincar com a antiga fluidez, previa totalmente seu dia e já se entediava antes de qualquer coisa: quando chegar a casa vai acordar o pai para irem ao self-service de sempre, voltará pra casa, fará todas as lições, verá as novelinhas e os jornais na TV, jantará alguma coisa com seu pai, que sairá exatamente na hora em que sua mãe chegar, ainda em tempo de dar o “Boa Noite”.
Nesse ritmo, passou mais um dia de aula. Sabia que esperaria o ônibus, como sempre, naquela parada, como sempre, e que, no ônibus, estaria o mesmo motorista, como sempre. Íris, indo contra todo aquele “como sempre”, tomou uma decisão que parecia boba, mas que mudou sua vida:
- Hoje eu vou pra casa a pé.
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Bom, eu achei que ficou muito bom. Eu mudei muitas coisas, antes de publicá-lo e corrigi alguns erros, os que eu encontrei. Minha sugestão é que as personagens não se encontrem, pelo menos por enquanto. Acho que ficaria mais interessante se as vidas delas fossem sendo contadas paralelamente, e que elas até passassem uma pela outra, mas sem se dar conta disso.
Outra coisa, pelo que eu entendi, ficou decidido que elas não seriam irmãs, não é isso?
Beijos.
Juliana Caribé disse...
14 de setembro de 2008 às 20:12
tb achei muito legal. o texto ainda tem alguns problemas, acabo de imprimir e vou corrigi-lo para amanhã. deixo um abraço.
ju, a idéia é essa mesma.
elizabeth disse...
21 de setembro de 2008 às 18:47