Então, fiz umas poucas alterações no primeiro capítulo, até sexta vou mandar uma caracterização para Isis e Demócrito. Para que visualizar as minhas alterações eu marquei de vermelho e um trecho que usei da Naiara eu marquei de verde.
"Sete horas da manhã. O pai senta-se à mesa por último. Mãe e filhos, já em meio ao espartano desjejum de mingau de aveia, café preto e pão integral, fazem uma pequena pausa e observam o rígido coronel Ventura destrinchar o jornal, em busca do caderno com as notícias sobre política. Em seguida, como faz em todas as manhãs dos dias úteis, passa o restante do diário à prendada esposa, Camile, que saca o encarte com as ofertas de horti-fruti-granjeiros, repassando os outros cadernos para o disciplinado filho Gustavo, que retira para si o caderno de esportes. O restante do jornal é entregue às ansiosas mãos de Ísis, que o folheia rapidamente, em busca da parte da parte de entretenimento, com as palavras cruzadas e, principalmente, com os joguinhos de ligar pontos.
A família praticamente não se fala. Não é que os Ventura estejam brigados ou que tenham feito votos de silêncio, mas a disciplina militar difundida naquele lar organizado, onde cada um sabe suas obrigações e as cumpri assiduamente, proporcionou tal interação entre seus integrantes que dispensa o “frenético tagarelar do dia-a-dia”, como gosta de explicar o Coronel. A única que ainda carece de correção é Isis, que, vez ou outra, teima em compartilhar suas meninices tardias.
- Hoje de novo! – A garota crava a caneta no pão sobre a mesa e permanece estática, encarando uma reportagem no caderno de turismo. Ninguém repara. Ou, pelo menos, não deixam transparecer interesse pelo arroubo repentino da filha caçula. Como tem acontecido de um ano pra cá, ela já não se contenta em formar os desenhos a partir dos pontos. Desenvolveu um método peculiar de interpretar mensagens escondidas nas matérias, que, segundo Ísis, são destinadas a ela em forma de código, a partir dos pontos contidos nos textos.
- Por favor, Zi, termine o seu café. – Limita-se a dizer dona Camile, psicóloga de formação, que não vê no devaneio da filha de treze anos, onde meses e imaginação realmente muito fértil algo de mais sério, a não ser a manifestação dos anseios e frustrações adolescentes.
- Mas, é muito claro que algo vai acontecer, mãe! Na matéria sobre viagens de inverno, deu uma estrela de cinco pontas e a mensagem: “Vá para as montanhas”. – O coronel pigarreou, enquanto se levantava. Era sinal de que não aprovava a conversa. Olhou para Camile com aquele olhar de “A filha é sua”, e deixou a mesa. A mãe terminou o café em seguida e disse, enquanto recolhia a louça:
- Você irritou seu pai novamente, filha! Se apresse para não perder o ônibus da escola.
– Tudo bem, mãe. Falta só a página policial. É a pior!
– Você não tem jeito, Zi... Resmungou a mãe, caminhando em direção à cozinha.
- Caraca, guria! Essa tua paranóia tá piorando... – Gargalhou Gustavo, ao mesmo tempo em que saía segurando o último pedaço de pão com a caneta da irmã espetada. Ele também não tinha muita paciência com as histórias dela, mas, “levava de boa”, como costumava dizer.
Zi, como era carinhosamente chamada, não se abatia com a incompreensão familiar. Recortava cuidadosamente a mensagem e arquivava para análises posteriores. Seu método de decodificação era complexo demais e exigia muita atenção, de forma que ela sempre carregava sua pasta de mensagens, para trabalhar nos intervalos entre as aulas, na escola.
Pontos fascinavam Ísis, que sempre adorou seu nome, só se aborrecia quando esqueciam os pingos nos ii. Seu jogo favorito era o de ligar os pontos, ficava maravilhada como aqueles pontos podiam virar um desenho, e o melhor, ela era a criadora desses desenhos. Isis também tinha um desejo escondido guardadinho dentro dela de virar astronauta. O desejo era fundamentado na idéia de que ela amava observar as constelações no céu, como se as estrelas fossem pequenos pontos, ela sabia identificar com facilidade Escorpião, Ursa Maior, Cruzeiro do Sul; todos ficavam admirados. Não revelava essa vontade com medo dos deboches, preferia dizer que faria vestibular para Artes Plásticas. Quem sabe poderia pintar que nem Seurat? De ponto em ponto até criar o quadro. Gostava da idéia, mas Zi era um pouco preguiçosa e não sabia se conseguiria se dedicar cinco anos apenas para um quadro como fazia o pintor francês. A menina sempre foi assim: encantada com os pontos-cruz de sua avó, com os caroços da melancia, com o formigueiro, com grãos diversos; sempre montava os mais absurdos desenhos com a junção desses.
Naquele dia as duas primeiras aulas passaram voando. Mal tocara o sinal da entrada, já batera o do recreio. Isso, na percepção de Zi, que, com tantas coisas na cabeça, realmente não via o tempo passar. Talvez porque nada na aula a interessasse. Embora gostasse de estudar, não se sentia estimulada naquela medíocre “fábrica de robôs”, como gostava de se referir a sua classe de oitava série, cheia de “patrichapinhas” e “mauribombadinhos”, seus mortais inimigos, ou seja, quase todos os colegas. Apenas Maria Januária a compreendia. Mas uma menina, que tinha como mania decorar livros, e ainda com um nome daquele tipo, não era parâmetro de normalidade e nem de aceitação por parte da galera. E aê, Zi, qual é a de hoje? – Perguntou Maria Januária, depois que as duas sentaram na grama atrás do pátio da escola. – Montanhas, Janu. Eles querem me ver nas montanhas. – Respondeu a amiga. – Você vai? – Está tudo conforme os planos. – Respondeu. - Saio no dia do meu aniversário.
- Mas o seu aniversário é só mês que vem Zi! A mensagem marcava o dia? - Sim! E era clara! - Mas existem montanhas por todos os lados! Como saber? - Ainda tenho um mês para decifrar os detalhes. - Seu pai não vai deixar você ir. Até parece que não conhece o velho! Como vai fazer? Quer que eu vá junto? - Não Janu. Esse é um trabalho que tenho de fazer sozinha. Eu vou dar um jeito. - Cuidado Zi, qualquer coisa dá um toque. O sinal bateu novamente, hora de voltar para a sala. Mais uma vez Ísis não percebeu o tempo passar, só conseguia pensar nas montanhas e, Maria Januária estava certa. Como saber onde? Seu coração acelerava cada vez mais com a idéia de finalmente poder se encontrar com eles. Após tanto tempo de mensagens escondidas, agora era a hora da verdade. Estaria pronta? As duas voltam para a sala de aula, Isis continua muito distraída, então que a música começa a encher as salas da escola. Era chegado o momento de apreciação musical. Os diretores da escola acreditavam que momentos de música eram fundamentais para o desenvolvimento dos alunos. As terças e quintas eram os dias de música clássica, segundas e quartas eram os dias da música brasileira e na sexta era o dia do hino nacional. A escola ficava encantada, todos dedicavam aqueles cinco minutos apenas para a música. As caixas de um som velho, porém potente, ficavam voltados para o pátio da escola sempre após o intervalo e, assim, a música ressoava pelos cantos silenciosos ou cheio de barulhos incômodos. Tudo virava uma coisa só unida pela melodia que banhava as salas. Este era o momento clímax das manhãs de Isis, momento no qual ela tirava as melhores conclusões de suas pistas achadas nos mais diversos lugares, era o momento de reflexão e de descoberta dos códigos.
E neste momento tão especial para ela, entra pela porta de sua sala um rapaz que chamara tanto a sua atenção quanto jamais outro chamara. Demócrito entrava pela porta navegando suavemente entre notas e pausas, em passos compassados e harmoniosos. Era de fato uma figura singular: cheio de sardas e cabelo cor de fogo. _Janu, quem é esse menino? Cochichou Isis, sem se fazer notar. _Eu já tinha visto esse rapaz na sala de Dona Sofia antes de te encontrar no intervalo. Acho que é aluno novo, deve ser desses que os pais vivem de mudança. Achou ele bonitinho, né? Isis ruboresceu. _Não, não é isso. Olhe para as pintas dele, olhe só o desenho. A mesma mensagem do jornal! _Ah, não, Zi, acho que você já está forçando demais a barra.
Isis bem sabia que não tinha visto nenhuma mensagem no rosto do novo aluno. Mas não poderia assumir para a amiga que aquele rapaz a deixara confusa. Perturbada ficou quando o olhar dele se direcionou para ela, estaria ele percebendo a confusão na sua cabeça? Sim, Demócrito mal aparece na história e já cria uma grande confusão. Para Isis os desenhos formados por pontos eram sempre símbolos muito claros, pistas em potencial. Todavia, os desenhos formados no rosto de Demócrito eram instáveis, diversos e sem nexo algum. Isis estava maravilhada com a mutabilidade dos desenhos formados no rosto daquele menino.
O único lugar vazio é ao lado de Isis, Demócrito persiste em olhar para a curiosa menina, ele tem a coragem de manter o contato visual tão constrangedor e se senta e diz:
- Oi.
Isis não responde, mas se assusta com a capacidade que ele tem de não se constranger, de não se incomodar com o olhar invasivo que ela lançara anteriormente. Ele não parecia incomodado e sim muito confortável o que fez como que Zi recusasse os olhares por constrangimento, ela silenciou como a música no pátio e até o final da aula não conseguiu voltar o olhar para o estrangeiro colega."
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